Teoria das Bordas

2007
Lais Myrrha
publicado em 29.06.2013
última atualização 09.01.2015

"Teoria das Bordas (2007) consiste em cobrir cada metade de um piso com camadas de granitina preta e branca. Seu aspecto geométrico remete à tradição concretista da arte brasileira. À medida em que se caminha sobre a obra, sua geometria pouco a pouco se desmancha, suas bordas se diluem em um cinza escuro.

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"Teoria das Bordas (2007) consiste em cobrir cada metade de um piso com camadas de granitina preta e branca. Seu aspecto geométrico remete à tradição concretista da arte brasileira. À medida em que se caminha sobre a obra, sua geometria pouco a pouco se desmancha, suas bordas se diluem em um cinza escuro.

Podemos nos indagar sobre quais bordas a obra se refere. Trata-se de uma construção meramente geométrica ou aponta para outras instâncias? Poderia ser vista como uma metáfora? De que? Ao propor uma teoria, qual seria sua natureza, seu escopo? A quais momentos, situações e trabalhos ela nos remete? Por ser uma obra de princípio construtivo simples, Teoria das Bordas se torna uma espécie de esquema mental, um esqueleto capaz de alimentar conjecturas diversas.

Escolhi utilizar a granitina — um tipo de pó de pedra, de gramatura similar à areia, que é a sobra das pedras trituradas —, evidenciando um momento de crise no meu trabalho. Simbólica e efetivamente, a instalação foi feita com as ruínas de outros trabalhos meus com pedras.

Teoria das Bordas data do mesmo ano da conclusão do meu mestrado em artes visuais, Sobre as possibilidades da impermanência: Fotografia e Monumento. Durante a preparação da minha defesa, uns dois meses depois de ter apresentado o trabalho na galeria Novembro, no Rio de Janeiro, me deparei com um experimento proposto por Robert Smithson,  em seu texto Um passeio pelos monumentos de Passaic, Nova Jersey, no qual o artista descreve:

'Agora eu deveria ter a intenção de provar a irreversibilidade da eternidade usando uma experiência de recursos escassos para comprovar a entropia. Imagine com o olho de sua mente a caixa de areia dividida em duas com areia preta de um lado e areia branca do outro. Pegamos uma criança e a fazemos correr no sentido horário dentro da caixa completando 100 voltas, até que a areia se misture e comece a ficar cinza; depois disso a fazemos correr no sentido anti-­horário, mas o resultado não será a restauração da divisão original e sim grau ainda maior de cinza e aumento da entropia.

É claro que, se filmássemos tal experiência, poderíamos provar a reversibilidade da eternidade passando o filme de trás para frente, mas então, mais cedo ou mais tarde, o próprio filme iria estragar ou se perder e entrar no estado de irreversibilidade. De algum modo, isso indica que o cinema oferece uma escapatória ilusória ou temporária da dissolução física. A falsa imortalidade do filme dá ao espectador a ilusão de controle sobre a eternidade – mas os “superastros” estão desaparecendo gradualmente.'

Embora este seja um texto muitíssimo conhecido, ninguém se referiu a ele quando viu Teoria das Bordas. Como eu tampouco o conhecia (ou pelo menos não me lembrava dessa passagem), não posso elencá‐lo como uma referência.

Isso é um fato interessante sobre a própria ideia de referência: embora meu trabalho seja cronologicamente posterior à experiência proposta por Smithson, ela é, para mim, posterior a minha obra.

Cheguei a uma proposição bastante semelhante por meio de uma via distinta e independente de Smithson, artista por quem passei a me interessar mais a partir da leitura de Hélio Oiticica. Naquele momento específico, eu estava muito interessada em artistas como Félix González­ Torres,  On Kawara, Christian Boltanski, Rosângela Rennó  e Nan Goldin. Li também textos do Walter Benjamin  e de Roland Barthes. Estava desenvolvendo questões em torno da temporalidade e suas formas de representação, bem como tudo que pudesse apontar para a noção de impermanência, finitude e apagamento. Daí meu interesse pela fotografia, pelo monumento e pela historiografia.

Existe uma obra que me impressionou (e ainda me impressiona) bastante, embora jamais a tenha visto pessoalmente: o trabalho apresentado pela Laura Vinci no Arte/cidade 3 – A cidade e suas histórias, realizada em São Paulo, em 1997. Ela perfurou a laje de um edifício e dispôs sobre essa abertura um monte de areia, construindo uma espécie de ampulheta gigante e irreversível. Posso dizer que essa obra habita meu imaginário, participa de um conjunto de coisas que me fazem pensar e seguir produzindo."


Lais Myrrha em depoimento à PLATAFORMA:VB (outubro 2013)


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Dados técnicos

Teoria das bordas (2007) | Lais Myrrha
Instalação | Granitina preta e branca, dimensões variáveis

Detalhes da obra e de sua instalação no espaço expositivo do 18º Festival de Arte Contemporânea SESC_Videobrasil

Depoimento Lais Myrrha | 18º Festival

A artista destaca a temporalidade como elemento importante de sua obra, que se transforma com o decorrer da exposição. Segundo ela, cada montagem enriquece sua compreensão da peça, feita com o que chama de “ruínas” de trabalhos anteriores

Ações VB
18º Festival
Territórios do sul: Experiências, cidades e fronteiras
Urgências cartográficas
Outras conexões

O texto Sobre o Conceito de História (1940), de Walter Benjamin, faz parte das referências teóricas da artista.

 

Outros trabalhos de Lais Myrrha feitos com pedra são: Sem Título (Beije a mão da sua imagem) (2001), Deslocável (2001), 4 coordenadas topocêntricas e a construção de um possível horizonte breve (de I a XI) (2005), e Dicionário do impossível (2005). 

 

Site de Lais Myrrha

Anexos

Borde Game
por Júlia Rebouças (Zona de Instabilidade, Caixa Cultural São Paulo, Brasil, jul. 2013). [pt]

Redução ao Absurdopor Luisa Duarte (Galeria Novembro, Rio de Janeiro, Brasil, 2007) [pt]

Catálogo de Zona de Instabilidade, exposição realizada na Caixa Cultural São Paulo (Brasil, jul. 2013) [pt]

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