“Em Doméstica, eu me preocupei em adentrar na complexa relação de afeto e trabalho que permeia o cotidiano dos jovens brasileiros e suas empregadas domésticas. Para a realização do filme, os jovens tinham a missão de filmar suas empregadas e me entregar as imagens brutas para que, a partir disso, eu pudesse trabalhar. Era a intimidade truncada das relações entre essas duas esferas que me interessava como potência de olhar.
Diferente do modelo clássico de cinema de 'ação' e 'corta', o desafio deste filme foi partilhar subjetividades, agendar encontros, elaborar procedimentos que permitissem que imagens filmadas por outros trouxesse surpresas e inquietações. Ao observar por uma semana a pessoa que, muitas vezes, o observou a vida inteira, a ideia era desafiar os jovens a uma inversão do olhar. E, durante essa semana, proporcionar uma renegociação de papéis.
Em cada família, fica latente uma forma muito pessoal de se relacionar com a empregada. O afeto é negociado na esfera pessoal, na intimidade. Se os jovens aproveitaram uma certa relação de poder para adentrar na intimidade da empregada, ou se as empregadas usaram esse artifício audiovisual para se auto-ficcionalizar, o que me deixa feliz é a potência da imprecisão que emana no filme do início ao fim. É justamente na resignificação dessas imagens, no meu encontro com os jovens e com as empregadas, que surge um novo olhar. Além disso, o filme representa o meu encontro afetivo e político com o resultado dessas imagens brutas.
Quando lancei o filme no Festival de Brasília, em 2012, a discriminação contra as empregadas domésticas tinha amparo na própria Constituição Federal. Elas estavam excluídas de proteções básicas como férias remuneradas, 13° salário, seguro desemprego e acidente, remuneração por horas extras, e ajuste do limite da jornada de trabalho.
Em 2011, dados do Ministério do Trabalho indicam que quase 15% das trabalhadoras domésticas do mundo estão no Brasil (cerca de 7,2 milhões). A despeito disso, o país ainda não havia ratificado o acordo da Convenção da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
No início de 2013, a PEC das Domésticas foi levada ao Congresso e, no dia 1º de maio, o filme foi lançado em circuito comercial de cinema. Tudo isso aconteceu em meio ao furacão da reação conservadora à emenda constitucional que visava melhorias tímidas para reparar séculos de um eco escravocrata ainda ressonante no Brasil contemporâneo.”
Gabriel Mascaro em depoimento à PLATAFORMA:VB (outubro 2013)