"Os primeiros pensamentos e experimentações que me levaram à Mecânica surgiram em 1992, quando passei um ano em residência artística, em Londres. Nesse período iniciei uma série de trabalhos com papel de seda.
As qualidades desse papel e o acaso vieram ao encontro dos meus interesses naquele momento. Ao prender à parede, em dois pontos da borda superior, papéis de seda revestidos com pó de bronze não levei em conta a existência do equipamento de calefação instalado logo abaixo. Em pleno inverno, o aquecedor era acionado e, com o ar quente, os papéis começavam a se deslocar e projetar no espaço. Mesmo sem realizar efetivamente o que viria a ser Mecânica, pensei então em dar o título daquele trabalho de Mecânica dos Anjos. Creio que também por causa das leituras de Santo Agostinho que fazia na ocasião.
Desde os anos 1980 tive como questão o limite da passagem do bi ao tridimensional. Após observar que um deslocamento de ar provoca a projeção dos papéis no espaço realizei algumas séries como Frágeis (1995) e Corpos Associados (1997). Estas séries eram compostas por folhas duplas de papel de seda onde a folha da frente continha desenho com pó de bronze, e a folha de trás, um desenho com nanquim. Em movimentos e projeções no espaço os papéis se distanciavam um do outro, alterando o foco dos desenhos em nanquim.
Ao observar o público e a reação dos papéis quando expostos, fui me interessando cada vez mais pela forma como apontavam para relações do corpo no espaço; de um corpo com outro corpo.
Dezenove anos após aqueles primeiros experimentos em Londres, acabei propondo uma versão dourada de Mecânica para o Projeto Parede no Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM-SP). A parede que delimita uma passagem no museu parecia ser um lugar propício para a instalação dessa obra. Nesse momento, ficou claro que somente cores impressas em ambos os lados dos papéis seriam suficientes para trazer de forma direta o conceito de mecânica (associada ao movimento de corpos quando submetidos a algum tipo de força). Dessa forma, o suporte passa a ser elemento constitutivo da obra, tornado objeto.
Mecânica é um trabalho que procura apontar indiretamente às relações do corpo no espaço e do corpo com outros corpos. É o público em movimento, e de passagem, que aciona a obra. Um livro de artista (2011-2012), homônimo, trata das mesmas questões, mas em escala menor, pois o deslocamento do ar que projeta as folhas douradas inseridas no livro é produzido apenas pela ação da mão ao virar as páginas. A manipulação do livro aciona a obra. Por causa da impossibilidade de manipulação do livro pelo público, acabei realizando também um vídeo que abriu novas possibilidades para o meu trabalho. Essa série de pequenos vídeos está em processo nesse momento."
Flávia Ribeiro em depoimento à PLATAFORMA:VB (outubro 2013)