Ciudad Maya

2016
Andrés Padilla Domene
publicado em 02.10.2017
última atualização 02.10.2017

Comecei a procurar reproduções modernas e contemporâneas de monumentos maias quando me deparei com o estilo arquitetônico conhecido como neo-maia, uma mistura de elementos maia e art déco. Esse estilo floresceu no início do século 20, como parte de um esforço oficial para criar uma identidade nacional mexicana homogênea e moderna: o...


Leia mais +

Comecei a procurar reproduções modernas e contemporâneas de monumentos maias quando me deparei com o estilo arquitetônico conhecido como neo-maia, uma mistura de elementos maia e art déco. Esse estilo floresceu no início do século 20, como parte de um esforço oficial para criar uma identidade nacional mexicana homogênea e moderna: o mestiço. “Os teóricos e os políticos defenderam a ‘terceira raça’ como mantendo as melhores qualidades de cada componente – a lógica e civilização esclarecidas da Europa, e a espiritualidade e a herança local dos índios"[1]. Essa ideia vem operando desde então para cobrir um conflito pós-colonial não resolvido.

 

Junto com um boom turístico nas décadas de 1970 e 1980, as réplicas de construções pré-hispânicas proliferaram na península de Yucatán, lar da civilização maia. Essas reproduções apareceram na forma de hotéis, restaurantes, parques aquáticos, cabarés etc. Eles organizavam shows onde os moradores se vestiam de antigos maias para simular rituais, danças e sacrifícios para os turistas. Ciudad Maya[2] era um desses lugares. Quando descobri isso em 2015, percebi que eram as ruínas da reprodução de um local maia em ruínas. Pensei que esse mise en abyme era muito significativo, pois funcionava como uma metáfora do ciclo de representação e exploração em que essa cultura ficou presa. Decidi concentrar meu projeto nesse lugar e convidar um grupo de jovens urbanos maias para simular um levantamento arqueológico da construção.

 

Existem quase 800.000 falantes nativos da língua Maya Yucateca. A cidade de Mérida é o maior centro urbano da região, para onde a população rural tem se mudado gradativamente. Passei três meses investigando a cultura maia contemporânea, conhecendo pessoas e preparando o filme. Através da escola de arte de Mérida e de outras instituições culturais, comecei a conhecer jovens – homens e mulheres – que se assumiam como maias e que estavam dispostos a participar do processo. Os encontros superaram minhas expectativas – os personagens se tornaram personalidades extremamente interessantes, que expandiram consideravelmente o escopo da minha pesquisa: um artista contemporâneo, um programador, um rapper, um jornalista e um poeta, todos trabalhando em maia com uma clara posição de defender sua cultura no contexto global.

 

O processo de trabalho com eles resultou em colaborações para o projeto que fez o filme tomar uma direção completamente nova: José pintou um mural, Pat Boy compôs um rap sci-fi, Sasil e Lorenzo criaram um glossário de neologismos tecnológicos e Feliciano co-escreveu a narração do filme comigo. Embora eu tenha trabalhado com a imagem em movimento por treze anos, diria que Ciudad Maya é meu primeiro curta-metragem. Quando comecei a pensar sobre este projeto, eu estava interessado em diferentes camadas de ficção quando falamos em culturas pré-hispânicas. Também pretendi questionar a noção de autenticidade ao abordar as culturas indígenas hoje.

 

No projeto, há uma reflexão sobre a forma como nosso presente será visto no futuro. E, principalmente, quais são as ferramentas e os mecanismos que estamos usando agora para armazenar nosso presente para consultas futuras? Pesquisei tecnologias usadas hoje na arqueologia, como scanners 3D a laser (LIDAR), visão computacional, fotogrametria etc. Então, construí eu mesmo uma série de dispositivos inspirados nestas ferramentas, e as implementei parcialmente. Usando lasers, flashes de câmera e LEDs, esses dispositivos foram concebidos para serem as únicas fontes de iluminação do filme enquanto os personagens os operavam.

 

Algo que considero relevante para este filme foi trabalhar no limite entre documentação e documentário. Uma camada do projeto corresponde apenas à documentação da ação de pesquisar o edifício com ferramentas customizadas. Mas essa estrutura cria as condições de acesso a uma camada mais documental, na qual os personagens não estão atuando, mas expressando suas próprias preocupações. A terceira camada que o filme retrata é a documentação das colaborações que fizemos, em que nos tornamos co-autores do trabalho.

 

O projeto visa não só a desmistificar o desaparecimento total da cultura maia, mas também declarar sua integridade cultural e suas preocupações em uma sociedade urbana.

 

[1] Lauren Higbee in Maya Aesthetics of Mestizaje: Mexican Revolutionary Architecture in the Yucatán

 

[2] Ver o texto: Andrés Padilla Domene - Ciudad Maya Calle 84 #510 x 63 y 61. Mérida, Yucatán, México

 

Andrés Padilla Domene​ em depoimento a PLATAFORM:VB (Agosto 2017)


Reduzir texto -
Dados técnicos

Ciudad Maya2016 | Vídeo, 24' 
Andrés Padilla Domene

Hotel Palenque | Robert Smithson

Trailer de SUEÑAN LOS ANDROIDES (2014) | Ion De Sosa

Ações VB
20º Festival
Outras conexões

Arqueologia e ficção científica influenciaram profundamente meu trabalho. Referências importantes para a produção de Ciudad Maya foram:

Robert Smithson: Hotel Palenque

Jesse Lerner: Ruins

Ion de Sosa: Sueñan los Androides

Pierre Huyghe: The Host and the Cloud, A Way in Untilled (documenta 13)

Apichatpong Weerasethakul: Tio Boonme, que Pode Recordar Suas Vidas Passadas, Cemitério de Esplendor
Alienígenas do Passado e teóricos de pseudo-arqueologia.

Anexos

Texto da entrevista realizada pelo artista com Emilio Vera Granados (b.1921) que criou o restaurante turístico Ciudad Maya em Merida em 1982. (2016) [eng]

Dispositivos livremente inspirados em tecnologias utilizadas em arqueologia contemporânea, realizados para pesquisa na réplica de sítio maia abandonada.

Comentários