Há terra!

2016
Ana Vaz
publicado em 30.09.2017
última atualização 30.09.2017

Nas profundezas do oeste brasileiro, o sertão nativo, um lugar tão físico quanto mental, um refúgio e um lugar sem retorno, uma história do passado se desenrola em um presente imperfeito como um encontro, como um confronto. Neste lugar, onde a terra é árida, escassa e marcada por uma história de oligarquias coloniais, extrativismo e...


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Nas profundezas do oeste brasileiro, o sertão nativo, um lugar tão físico quanto mental, um refúgio e um lugar sem retorno, uma história do passado se desenrola em um presente imperfeito como um encontro, como um confronto. Neste lugar, onde a terra é árida, escassa e marcada por uma história de oligarquias coloniais, extrativismo e agronegócios de monocultura, a questão da distribuição e da obtenção persiste.

 

Aqui, comunidades quilombolas se aliaram com ameríndios nativos para sobreviver e, então, formaram o povo Kalunga[1], que ainda prevalece em partes de Goiás[2]. Essas comunidades semi-quilombolas de resistência e comunitarismo datam do período do domínio colonial do século 18, mas estão vivas ainda hoje em reconfigurações diversas e contemporâneas. Na história contemporânea da região, ela está principalmente viva através das lutas do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), que reivindicam o direito à distribuição de terra em todo o país.

 

Há Terra! está, portanto, marcado por um encontro que confirma essa história no presente. O filme revisita o cenário e protagonista central de um filme anterior que fiz em 2013, A Idade da Pedra. A criação de Há Terra! segue uma busca pela protagonista e vidente da Idade da Pedra, Ivonete dos Santos Moraes. Parto para encontrá-la em seu antigo endereço, nas profundezas do cerrado de Goiás, e finalmente a encontro morando em um assentamento defendido e organizado pelo MST.

 

Tanto a busca como a reunião se tornam um tema para o filme. À medida que ela se esconde em seu refúgio, nosso encontro oferece uma fuga, uma perspectiva, um reflexo. Há Terra! entra em cena, e com seu caráter e configuração como um ritual, onde tanto a terra como o personagem estão em constante interação, um se torna o outro. Ao mesmo tempo caça e caçador, essa interação é uma ode ao apetite antropofágico: “Antropofagia. Absorção do inimigo sacro. Para transformá-lo em  totem. A humana aventura. A terrena finalidade”[3].

 

Há Terra! é um encontro, uma caçada, um conto diacrônico de olhar e tornar-se. Como em uma perseguição, como em um tiro, o filme transita entre personagem e terra, terra e personagem, predador e presa. O filme se divide entre o cerrado selvagem e sua vizinha moderna, Brasília, um espelho do projeto moderno de escrutínio, civilização e organização do deserto como algo a ser domado, a ser alcançado. A experiência se transforma em motivos catalogados, etnias se tornam categorias, os amuletos se tornam fetiche, a síndrome moderna: quanto destrói, mais preserva. Entre o oeste e o extremo oeste, o filme compara, contrasta e interpõe perspectivas, camadas e agenciamentos. Acreditando na força desse encontro, o filme engloba uma antropologia recíproca, um processo físico, uma perseguição selvagem e civil.

 

[1] No oeste brasileiro, assentamentos quilombolas se aliaram com índios nativos. Os Kalunga descendem dos escravos que resistiram e fugiram para o interior, onde muitos fundaram comunidades híbridas para sobreviver às condições áridas.

[2] Goiás é um estado brasileiro no sertão marcado pelo segundo período colonial, que se caracteriza por atividades de mineração e monocultura, principalmente bovinos. É também o estado em que a capital modernista do país, Brasília, foi construída.

[3] Manifesto Antropófago, Oswald de Andrade (1928).

 

Ana Vaz em depoimento a PLATAFORM:VB (Agosto 2017)


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Dados técnicos

Há terra!, 2016 | Vídeo, 12' 37"
Ana Vaz

Ações VB
20º Festival
Outras conexões

Ar, Fogo, Terra e Água, O cinema de Ana Vaz, por Raquel Schefer (A Cuarta Parede, 2016) [port]

Anexos

Young at Heart, por Ela Bittencourt (Art Forum, 2016) [eng]

Ar, Fogo, Terra e Água, o cinema de Ana Vaz, por Raquel Schefer (A Cuarta Parede, 2016) [port]

 

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