"Comecei meu percurso artístico pela fotografia, cruzando-a com outros gêneros formais, como o texto, a música, a instalação, o filme. Privilegiando desde cedo a pesquisa em torno da imagem, de caráter performativo ou experimental.
Nos anos 1990, herdei do meu pai uma coleção de mais de trinta mil fotogramas de filmes originários principalmente do cinema clássico. Esse arquivo constitui uma fonte inesgotável de imagens da memória do cinema e um material de trabalho para minhas experimentações. Venho deslocando esse material em diversas configurações com o intuito de desprogramar o dispositivo clássico e ativá-lo para outras possibilidades de fruição. Desejo evidenciar a materialidade desse material e abri-lo para reconfigurações articuladas pela imaginação do espectador. Quero investigar o poder e os aspectos mágicos e metafísicos da imagem, potencializando sua crueza, sem o amortecimento de Hollywood. Desejo convidar o espectador para participar da mobilidade da obra, para se perder na imagem, como uma forma de se renovar, como uma resistência às imagens-clichê e verdades preestabelecidas e veiculadas pelo poder.
O cinema que venho desenvolvendo tenta problematizar o estatuto do arquivo. Tenho o intuito de desconstruir a íntima relação que ele estabelece com o passado por um desejo de experimentar outros modos de fazer cinema, subvertendo as regras de apresentação e de representação do real. Proponho uma interrogação crítica sobre as condições da percepção, do sentido da imagem e sua recepção, possibilitando novas experiências e uma nova espacialidade para a linguagem cinematográfica, um retorno a corporalidade.
O principal fundamento estético das minhas experiências é a arte da montagem, evidenciada pela reiteração no uso de determinados frames e pelo retorno ou modificação de certos dispositivos. Quando eu retiro os frames, os libero da narrativa e os desloco para outros contextos. O vídeo Myxomatosis, em particular, é o mais representativo da minha busca por um cinema que seja um diálogo de corpos, de luz e carne.
Quero libertar, dar autonomia as imagens, deixá-las ao léu, para que possam encontrar outros espaços de repouso ou de vôo. Nas minhas pesquisas, existe uma preocupação em valorizar o gesto do operador, em relação ao do criador-autor. Trata-se de uma atitude de consagração da perda da aura. Sinto-me feliz de participar deste momento em que o cinema abandona a caverna de Platão e começa a se libertar da literatura, da sociologia, da psicologia, tornando-se simplesmente uma imagem em direção do branco sobre branco de Malevich ou do vazio do teatro de Samuel Beckett. Penso que, para atingir o mínimo do minimalismo, é preciso atravessar o buraco do barroco. Um fotograma, um som, um zoom, o mais profundo em direção a abstração total do detalhe, ao mais elevado grau de luz. Navegar é preciso e um lance de dados é necessário."
Solon Ribeiro em depoimento à PLATAFORMA:VB (julho 2015)