"Letter to my Father foi concebido e filmado durante uma residência no Lower Manhattan Cultural Council, que oferece espaços de ateliê para artistas no bairro. Depois do 11 de setembro, Lower Manhattan e a residência sofreram um impacto muito forte – na verdade, um dos artistas residentes naquela época (a residência era realizada nas Torres Gêmeas) morreu durante o ataque. Em 2004, me acomodaram em um ateliê no edifício Equitable, com vista para o Ground Zero (Marco Zero), e descobri que queria criar algo relacionado àquele local assombrado. Eu queria abordá-lo como um local que possui uma certa história, mas também lidar com os aspectos simbólicos da experiência do 11 de setembro e sua relação com minha experiência como imigrante em Nova York.
Acho que viver em Nova York naquela época exigia um certo grau de responsabilidade – no sentido de tentar entender o que estava em jogo no mundo, politicamente falando, principalmente nos Estados Unidos e mais especificamente em Nova York, que foi o epicentro dos ataques. A oportunidade de criar um novo trabalho naquele contexto carregado me parecia um privilégio: eu via o Ground Zero pela janela do meu ateliê todos os dias, e aquilo me lembrava das diferentes camadas que constituem a experiência de ser um cidadão.
Letter to my Father é um dos meus vídeos em que a imagem e o texto foram concebidos juntos. Editei as imagens relacionadas ao texto, mas também relacionadas ao modo como umas funcionam com as outras. A edição tinha como objetivo dissolver uma imagem até o ponto em que ela deixasse de representar aquilo que deveria retratar. Por exemplo, as que fiz pela janela, de pessoas olhando por cima da cerca, são pixelizadas até que se tornam abstratas e começam a fazer referência àquelas produzidas por câmeras de vigilância... Neste sentido, Letter to my Father é um trabalho muito estético. Sua política se baseia não só nas coisas que estou dizendo, que acredito serem mais poéticas, mas também na forma como as imagens podem complexificar o discurso.
As pessoas que dão depoimentos no vídeo são pessoas que abordei nas ruas, pedindo que pegassem meu gravador de som e caminhassem pelo local, refletindo sobre suas percepções e falando sobre 'o que viam'. É por isso que a mulher que é a primeira pessoa a falar diz, 'Vou falar o que estou vendo. Estou vendo uma ambulância em frente ao local. Estou vendo uma cerca...'. Ela estava literalmente descrevendo aquilo que via.
O título do vídeo é uma referência direta ao livro Carta ao Pai, de Franz Kafka, sobre um adolescente que tenta conversar com seu pai sobre sua dificuldade em relacionar-se com ele como figura de autoridade. Eu também tenho alguns problemas com meu pai, por isso foi interessante a ideia de transformar o Estado, o governo, minha experiência como imigrante neste país, na figura paterna, a figura da autoridade. Eu estava falando do meu pai, mas ao mesmo tempo falava dos EUA enquanto sistema patriarcal.
Letter to my Father foi um de meus primeiros trabalhos e é uma obra muito importante para mim, pois começa a articular um tipo específico de posicionamento intelectual, em relação à criação de um trabalho, mas também em termos de construir ou moldar uma voz, um estilo.
Algum tempo depois, comecei a desenvolver um projeto chamado The Good Life, que realizei por toda a América Latina, no qual eu entrevistava pessoas nas ruas sobre sua percepção da democracia como forma de governo. Durante o trabalho, ficou claro que a democracia não era somente uma questão política; dizia respeito a religião, sexualidade, gênero, questões de imigração, guerra, estava relacionada a tudo. E foi aí que surgiu o Democracy Cycle."
Carlos Motta em depoimento à PLATAFORMA:VB (agosto 2014)