O gostinho do doce acabou

Debora Gambaroni , Andrea Adamo, Roberta Maiorana
publicado em 29.05.2017
última atualização 29.05.2017

"A arte não exprime, é. Essa diferenciação com respeito à Filosofia, à Ideologia e a todas as formas conceituais faz com que hoje o problema moral (realidade) seja abordado na arte visual de modo peculiar, em termos de imagens, mediante os sinais da nova linguagem."

Waldemar Cordeiro

A conclusão de Waldemar Cordeiro, transcrita acima aciona, para os espectadores dessa mostra intitulada O...


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"A arte não exprime, é. Essa diferenciação com respeito à Filosofia, à Ideologia e a todas as formas conceituais faz com que hoje o problema moral (realidade) seja abordado na arte visual de modo peculiar, em termos de imagens, mediante os sinais da nova linguagem."

 

Waldemar Cordeiro

 

A conclusão de Waldemar Cordeiro, transcrita acima aciona, para os espectadores dessa mostra intitulada O gostinho do doce acabou, uma linguagem introspectiva, de modo que os vídeos Alugo-me, Love Stories, Tomorrow Everything Will Be Alright e Qu’est-ce que c’est sensibilizem o olhar de quem os assiste levando os expectadores a identificar mídias já usadas em outros tempos e hoje repetidas em rede sociais e outras tecnologias. Os trabalhos lidam diretamente com novas possibilidades de construção do real ao reinventar temporalidades e narrativas, redimensionando-os, assim, para outras estratégias visuais, como as relações afetivas impulsionam idas e vindas que reverberam a inconstância, o incômodo e o provável encontro. Os vídeos apresentados neste recorte lidam diretamente com a questão de quão atemporais são os relacionamentos afetivos.

 

Fernanda Goulart, autora de Alugo-me, por meio de um programa de rádio de classificados sentimentais revela mulheres ingênuas que se expõem em busca de um novo parceiro, dando entrevista a um locutor. Num paralelo, a câmera percorre casas e apartamentos que estão sendo alugados, enfocando com repetições angustiantes de interiores abandonados, pisos, portas, janelas e vazios. Um percurso solitário — com músicas de fundo de tamanha intensidade açucarada, de paixão, de amor e desencontro — que nos induz a olhar para dentro e rever nossas dramaticidades pessoais embaladas pelo clichê universal da dor amorosa.

 

 Em Love Stories, Lucas Bambozzi recria toda uma natureza humana num processo de subjetividade, associando de maneira incessante apropriações que faz entre as realidades da fotografia, do cinema, do vídeo e do computador. O vídeo começou a ser produzido em 1992, a partir de uma determinada imagem geradora, com colagens de casais se relacionando afetivamente ao som da Ópera de Verdi, citações e trechos de Oscar Wilde, Caetano Veloso e Godard. No movimento e no não movimento das imagens, ele acaba fazendo uma leitura eletrônica a favor de uma análise dos sentidos da paixão, o que nos passa dramaticidade e um mistério na leitura das imagens.

 

Akram Zaatari apresenta o vídeo Tomorrow Everything Will Be All Right, onde dois ex-amantes resolvem se comunicar depois de dez anos. Um dos personagens não é identificado nas imagens e o outro responde teclando numa máquina de escrever antiga, fazendo alusão aos chats online de hoje. O tempero da conversa entre os amantes é o tempo, a intensa troca de mensagens atraindo e seduzindo um ao outro. O drama entre os dois passa pelo amor perdido e um possível reencontro, numa abordagem pouco apaixonada, mas com desejo e urgência de se reverem.

 

Com Qu’est-ce que c’est de Flávio Nardini, o rompimento do relacionamento de um casal num café ao ar livre mostra a reação desconcertante da mulher frente à separação. Um quebra-cabeça incompleto contado por fragmentos de textos e imagens de sons reunidos a partir de lapsos de esquecimento da língua materna, que serve de base para a construção de histórias de outra personagem.

 

A mostra O gostinho do doce acabou trata de relações afetivas, falta de horizonte, ansiedade, drama, música, objetividade, subjetividade, desejo, forma, movimentos circulares em relação ao passado. E remete-nos a um lugar onde não sabemos externar o que sentimos.

 

Os processos determinantes nas configurações espaciais das quatro narrativas se entrecruzam com uma diversidade de vetores sobre casais que se relacionam e deixam de se relacionar, diálogos entre a vida e arte seguem. Afinam-se pelo cotidiano e contaminam-se por outros mundos e vivências, mutáveis. A reeducação de sentimentos está em cada encontro e desencontro. Relacionar-se com o outro é uma estrada sempre contínua, que se divide no território da saudade, do afeto, do desejo, da presença e da ausência. Um filme sem the end, um vídeo: O gostinho do doce acabou?

 

Mapeamento realizado por Andrea Adamo, Debora  Gambaroni e Roberta Maiorana como resultado de curadoria realizada por alunos da Pós-graduação de Especialização em Arte: Crítica e Curadoria da PUC-SP a partir das obras do Acervo, sob orientação dos professores Cauê Alves e Priscila Arantes. (Abril de 2017)


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Outras conexões

Resenha de Tomorrow Everything Will Be Alright, por Tamar Zmora. Art Asia Pacific (Maio/Junho 2017) [eng]

 

Akram Zaatari retrata Beirute a partir de histórias de amor entre homens, Folha de S. Paulo (set. 2016) [port]

 

Desvios e Ruídos do Vídeo na Cultura Digital, por Christine Mello. Intercom 2006 - NP “Comunicação Audiovisual” (20060 [port]

 

Escritos de Artistas - Anos 60/70, de Gloria Ferreira e Cecilia Cotrim. Jorge Zahar Editora (2006) [port]

Tags
desejo; afeto; relacionamento; amor;

Qualquer vazio (2011) | Alberto Bitar

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