“Os dogmas mais nocivos nem sequer são os que como tal foram expressamente enunciados, como é o caso dos dogmas religiosos, porque estes apelam à fé, e a fé não sabe nem pode discutir-se a si mesma. O mal é que se tenha transformado em dogma laico o que, por sua própria natureza, nunca aspirou a tal.”
José Saramago, O Caderno (2009)
Quais são os alicerces das nossas convicções?
Em tempos que novas verdades são cristalizadas nos feeds das redes sociais, que “coxinhas” e “petralhas” esbravejam palavras de ordem sem fontes seguras de informação, torna-se necessária uma reflexão sobre as bases do pensamento do homem contemporâneo.
A velocidade da troca de informação em tempos hipermodernos e a mudança da forma de relacionamento entre pessoas em um mundo extremamente digitalizado reacende a questão da dogmatização de pensamentos e ideologias como ferramenta de persuasão, que cedem espaço a extremismos políticos e religiosos.
A busca pelo sentido da vida é inerente ao ser humano, espírito e matéria convivem em harmonia e conflito, o que levou ao surgimento de diversas doutrinas e seitas, e ao aparecimento de dogmas que fundamentam a fé das principais religiões do planeta.
O que leva o homem a ter suas crenças como verdade? Questionar verdades absolutas não é tarefa fácil. Através do nosso recorte do acervo da Associação Cultural Videobrasil, pretendemos colocar em debate os caminhos que levam à transformação de uma ideia em dogma.
A mostra foi estruturada em quatro obras: Conversation Piece, de Gabriela Golder; Bayak (The Flag), de Köken Ergun; Ghost Looking For Its Spirit, de Slinko; e Lucharémos Hasta Anular La Ley, de Sebastián Diaz Morales. Os três primeiros vídeos, da forma como os dispusemos, apresentam uma narrativa crescente sobre o processo de doutrinação ideológica, que parte de uma inocente conversa entre uma avó e suas netas, passando por uma comemoração populista do dia das crianças na Turquia e culmina em uma crise ideológica bem humorada de uma artista russa radicada nos EUA. Em contraponto, no final, deixamos aberta para o público a reflexão da dogmatização das ideias e seus efeitos diretos nas instituições e na sociedade.
José Saramago, no texto intitulado Dogmas, do livro O caderno (2009), afirma que "Marx, por exemplo, não dogmatizou, mas logo não faltaram pseudo-marxistas para converter O Capital em outra bíblia, trocando o pensamento activo pela glosa estéril ou pela interpretação viciosa".
Seja na filosofia, na política, nos esportes, na moda ou na cultura pop, o conhecimento não deve ser vestido como uma ideologia cega.
E Saramago finaliza com o que chama de pergunta fundamental: "por que penso como penso?".
Este é o questionamento que pretendemos despertar.
Mapeamento realizado por Heloisa Vivanco, Gabriel Novaes, Liria Tamura e Roberto Borges como resultado de curadoria realizada por alunos da Pós-graduação de Especialização em Arte: Crítica e Curadoria da PUC-SP a partir das obras do Acervo, sob orientação dos professores Cauê Alves e Priscila Arantes. (Abril de 2017)