Os mecanismos de controle de acesso e a vigilância permanente se converteram em um fenômeno que ultrapassa o ambiente privado e as instituições, tomando conta dos espaços de vida pública.
A reação a esses mecanismos simbólicos e reais de controle do corpo, que atentam contra a liberdade de indivíduos e de grupos, se convertem em um princípio de vigilância social para a manutenção de poderes das frações sociais dominadoras. O controle simbólico imposto por esses dispositivos técnicos a serviço da vigilância social confere à pesquisa artística e curatorial sua potência de ação – e por que não? – um manifesto pela sobrevivência da expressão. Exatamente por dentro desse universo de mal-estar que os vídeos apresentados na exposição Deixa eu entrar! serão projetados.
Os trabalhos selecionados se mostram numa poderosa linguagem perante a crítica às instituições e aos totalitarismos de toda ordem. A trajetória histórica da videoarte destacou trabalhos que se estruturam em narrativas mais abertas, associativas e fragmentárias. O “vídeo”, usado como técnica para produção dos trabalhos artísticos apresentados, paradoxalmente também é o dispositivo técnico que garante a vigilância permanente e a alienação dos indivíduos em relação ao seu meio. Alguns trabalhos mostram a angústia da dissolução de biografias e identidades; outros constatam, com ironia, que o que resta é apenas o estereótipo de uma composição que reduz o indivíduo singular a uma categoria.
Mecanismos simbólicos e reais de controle do corpo e paradoxos que giram em torno de um estado de risco permanente, mas que atentam contra a liberdade de indivíduos e grupos, colaboram (ou efetivam) a manutenção de poderes e as frações sociais dominantes. O domínio de dispositivos técnicos e científicos – mas que sempre se convertem em dispositivos ideológicos – é o princípio da vigilância social. Identificado por Foucault[1] como modelo de preservação das instituições e fundamento para a teoria das sociedades disciplinares, esse instrumento sistemático de “docilização” ultrapassa os muros, toma conta dos espaços da vida pública e pauta as relações sociais. A problemática, antes de acesso, se transforma, também, em mecanismos que penetram os corpos, os gestos, os comportamentos.
A validade da questão na pesquisa artística confere à arte contemporânea sua potência de presente e ação – e por que não? – um manifesto pela sobrevivência da expressão, não à toa, é reconhecida facilmente em discursos de artistas e coletivos. Além da manutenção das frações sociais, o objetivo é o controle do indivíduo no espaço – para que cada um tenha um lugar específico – e no tempo – para ele não ser desperdiçado com o inútil e improdutivo.
A partir da observação desse fenômeno na sociedade moderna e pós-moderna, Gilles Deleuze avançou para o conceito de sociedade de controle, identificando como seu principal instrumento as tecnologias a serviço do controle social[2] dominadas pelo capitalismo emergente e pelo imperialismo.
Trata-se da proliferação de catracas de acesso, câmeras de vídeo em espaços sociais e o uso de mecanismos de rastreamento. Acrescenta-se uma tendência privatizante desses espaços, onde a disciplina forçada por esses mecanismos às vezes imperceptíveis ao olhar, geram o mal-estar do deslocamento e do não pertencimento, de alienação do indivíduo em relação ao seu meio. Essa submissão voluntária se consolida na ilusão de atingir uma ordem social só possível com um controle imposto.
Mapeamento realizado por Biba Rigo, Fernando Pozetti, Maria Fagá, Priscila Fonseca e Yessica Hernandez sob orientação do professor Cauê Alves por ocasião do projeto "Incursões da PUC-SP no Acervo Histórico Videobrasil", no qual alunos do curso Arte: História, Crítica e Curadoria da PUC-SP elaboram mostras de vídeo a partir do Acervo Videobrasil como exercício interdisciplinar do último semestre do curso. (Dezembro de 2016)
[1] Michel Foucault, Microfísica do Poder. Rio de Janeiro: Graal, 1985, p.80
[2] Gilles Deleuze, Conversações: 1972-1990. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1992, p.219