“A imagem de Nascente foi gravada em 2008 e o trabalho concluído em 2012. Eu estava com a câmera em um jardim quando o movimento da mangueira me chamou a atenção. Reposicionei o calço que a segurava até criar o plano que queria e então gravei uma longa sequência. Naquele momento, me interessei pelo modo que o corpo da mangueira respondia à força da água. Fiquei capturado pelo material até perceber o que ele podia oferecer.
Meu trabalho acontece mais a partir de encontros do que de buscas. Procuro receber o que me chega e antes que estes presentes voltem ao mundo, mesmo que minimamente modificados, é preciso encontrar uma consistência e uma síntese formal que sempre exigirão o seu tempo. Os trabalhos são respostas a estes encontros, muitas vezes, acidentais. Cada resposta é guiada pelos sentidos que o material em questão já informa, como um corte no que é dado. Sem buscar o domínio de uma linguagem, ou grandes habilidades técnicas, o meu envolvimento está voltado para as possíveis relações entre linguagem e vida, no esforço de escutar a natureza da coisa com a qual me relaciono. O maior tempo é o da escuta, ação que não deixa muitos rastros no resultado final.
Sinto que as vivências da primeira infância têm grande influência sobre nosso modo de criar, mais do que o contexto cultural hoje. Não procuro analisar esse passado, mas sempre constato como os espaços da infância foram e ainda são especiais nesse sentido. O quintal com árvores e bichos, a rua com os amigos, a fazenda do avô e o rancho na beira do Rio São Francisco. Conscientemente ou não, as sensações desses momentos nos acompanham. Ao praticar uma atenção flutuante, menos seletiva, tenho mais chance de trabalhar com forças dadas que trazem o frescor das primeiras experiências.
Já depois que a imagem chega, tem início outro processo, pois cada material pedirá um tratamento específico.
Em Nascente, o plano sequência e a câmera fixa instauram um tipo de silêncio que nos dá a ver esse acordo ordinário que tanto gosto, entre chão, mangueira e água.
Temos o chão exercendo sua gravidade, a água jorrando sem cessar, e o corpo azul de plástico que serpenteia imprimindo formas curvas ao plano.
Num determinado momento, sem que a água pare o seu fluxo, a mangueira encontra maior atrito e repousa por alguns segundos encaixando-se no corte do vidro. Cria-se um escape para o movimento que não estaciona e ressoa no espaço.
O uso do vidro faz com que Nascente dê um passo a mais em direção ao espaço, abrindo outras questões, ligadas a escultura. Eu precisava de um material que suportasse o corte, interferindo minimamente na imagem e que pudesse ficar apoiado sobre a superfície de projeção, ligado ao chão como um fio terra. O peso, a estabilidade, a transparência do vidro, são qualidades que acionam essa nova zona de toque, para além da projeção.”
Pablo Lobato em depoimento à PLATAFORMA:VB (outubro 2013)