"A ideia para o trabalho nasce na 7a Bienal do Mercosul – Grito e Escuta, em 2009, quando participei como co-curadora da Radiovisual. Por conta da pesquisa para o projeto da rádio, acabei me envolvendo e me aprofundando no universo sonoro.
No mesmo ano, realizei, em um nicho sob as escadas da Galeria Millan, uma pequena instalação, As paredes têm ouvido. A ideia era criar uma situação para ser ouvida e imaginada ('ouvista', a partir da expressão do poeta Augusto de Campos), de uma personagem solitária, desnorteada, dentro de um ambiente fechado, subindo e descendo escadas, e de tempos em tempos, falando, displicentemente, 'Es-tar em si só por es-tar sal-ti-tan-do so-bre as sí-la-bas do si-lên-cio'.
O monólogo podia ser ouvido diretamente na parede pelo 'espectador/ouvinte', gerando uma situação de voyeurismo sonoro. O som foi editado em ‘alturas’ e volumes diferentes para espacializá-lo, e criar a sensação de que a personagem circulava em um ambiente amplo e pleno de acontecimentos.
Para Sonoplastia realizei, inicialmente, uma 'colheita sonora', a partir de conversas e sonoridades ouvidas aleatoriamente no dia-a-dia. Costumo chamar essa fase de 'momento orelhão'.
A partir de fragmentos de textos ouvidos e retirados do seu contexto original, de frases soltas re-criadas, situações insólitas, imaginadas e/ou reais, concebi 'cenas sonoras' para serem completadas e realizadas pela imaginação do ouvinte (auditeur).
Na instalação realizo performances vocais e crio diversos 'personagens' – masculinos, femininos, vozes infantis – que, de algum modo, também aludem ao universo das artes cênicas.
Decidi usar o sistema de copos colocados, junto aos ouvidos, diretamente na parede, para amplificar o som emitido através dela. Esse recurso foi inspirado em brincadeiras de infância, quando ouvia sorrateiramente, conversas e sonoridades alheias.
Outra situação explorada é a coreografia que nasce da movimentação dos corpos dos ouvintes ao escutar as várias cenas sonoras, a partir de pontos localizados em diferentes alturas nas paredes do ambiente.
Desde o início de minha trajetória, trabalho com os vários aspectos da linguagem. Minhas primeiras experiências, em meados dos anos 70, se deram a partir da palavra e da foto-performance, influenciada pela poesia concreta. Seus conceitos, sua vocação multidisciplinar e seu diálogo com outras linguagens artísticas apontaram possibilidades e direções a serem exploradas. Tentei expandir para o espaço o aspecto 'verbivocovisual' da linguagem, procurando sempre uma poética que contemplasse o verbal, o sonoro, a oralidade e o visual.
Quando me voltei para uma reflexão sobre as questões sonoras, percebi que o som é geralmente subestimado em relação à imagem (com exceção da música, claro!). Sonoplastia tenta subverter a hierarquização entre a linguagem visual e a sonora. A partir do som, o ouvinte imagina e constrói suas próprias histórias."
Lenora de Barros em depoimento à PLATAFORMA:VB (outubro 2013)