"É com um sentimento de redescoberta, de ressucitação, que surgiu a série Domingo (os pequenos banhistas). São fotografias retiradas do esquecimento dos álbuns e representam um grupo de crianças em sua ida à praia, em um dia de domingo, na década de 1980. Essas mesmas fotografias são dispostas lado a lado com trechos de uma descrição científica de geografia e metereologia, retirados da Enciclopédia Conhecer. Muito populares no Brasil da época, os textos transmitem ao conjunto das fotografias uma espécie de cientificação da subjetividade: como se os verbetes enciclopédicos trouxessem algum tipo de explicação ou justificativa àquelas simples e singelas imagens de um passeio à praia.
Desde a concepção da obra, já tinha clara a intenção de ir além da fotografia. Não me bastava simplesmente reciclar velhas imagens, maquiá-las ou retocá-las, para dar-lhes uma nova apresentação, uma nova vida. A intenção era tratar a fotografia e o texto como objeto repositório, de tempo, de significado, de memória. Por isso é muito importante a integridade sígnica do suporte fotográfico; o pleno funcionamento das suas manchas, seus riscos e amassados, seus defeitos de exposição, o amarelado do tempo e suas marcas de manuseio.
Essas imagens servem como alegoria de mim mesmo. Do seu aspecto mais evidente e indicial – são realmente imagens da minha infância – essas fotografias formaram a minha subjetividade, ocupando os álbuns que folheava nas reuniões familiares. Do mesmo modo, a Enciclopédia Conhecer foi minha fiel companheira de explorações e descobertas, em uma etapa determinante na minha formação.
Onde acontece a imagem fotográfica? O que ocorre com a imagem capturada para além das fronteiras do real e construída pelo olhar, mediante a intervenção do dispositivo? Uma imagem que, sob o pretexto de registrar a vida, devolve subjetividades em um reflexo sensível. O que ocorre ali? Uma aparição? Algo que era apenas imaginado, impossível de medir ou reter inicialmente, logo desaparecerá da memória, deixando apenas vestígios.
Eu, você, qualquer um, suspenso no tempo e contido no recorte da fotografia. A imagem em seus próprios ritmos é a natureza imensa, sem limites, que por um breve momento torna-se eternamente local do acontecimento, uma paisagem antes inexprimível, pequenos banhistas na praia, uma ilusão, um sonho."
Fernão Paim em depoimento à PLATAFORMA:VB (outubro 2013)