A ideia do meu trabalho intitulado E’ville é fazer uma apropriação dos relatos de duas personalidades políticas essenciais da história do Congo após a independência, em 1960, para reduzi-los à ilusão de uma história familiar, confrontando-os ao mesmo tempo com um patrimônio colonial em ruínas...
A ideia do meu trabalho intitulado E’ville é fazer uma apropriação dos relatos de duas personalidades políticas essenciais da história do Congo após a independência, em 1960, para reduzi-los à ilusão de uma história familiar, confrontando-os ao mesmo tempo com um patrimônio colonial em ruínas – uma maldição, eu diria. Mais de meio século atrás, Lumumba, o líder da libertação do Congo, fez um discurso em uma carta à esposa, embora dirigida a toda a nação congolesa, um discurso que até hoje nos deixou com uma atitude de eterna espera com esta frase amaldiçoada: "O futuro do Congo é lindo". O cruzamento entre as duas narrativas, ao trazer o ditador Mobuto à obra, representa um modo de confrontar essas diferentes narrativas que revolvem a estrutura política do Congo.
Vivi em Kinshasa por quase 23 anos e, pela primeira vez, em 2017, visitei Lubumbashi, na época da Bienal de Lubumbashi, onde participei de uma residência artística no Picha Art Center, fundado pelo artista congolês Sammy Baloji. Assim, a história de GECAMINES, minha obra apresentada na 21a Bienal, remonta à mineradora belga Union Minière du Haut Katanga [União mineradora do alto Katanga] (UMHK), criada pelo rei Leopoldo II em 1906.
Durante uma visita ao centro esportivo da empresa Générale des Carrières et des Mines [Sociedade Geral de Pedreiras e Minas] (GECAMINES), ao menos ao que restou dele, encontrei-me em um espaço ao mesmo tempo deserto e cheio de vida: esses espaços, cada um à sua maneira, deram-me a impressão de que as atividades não foram suspensas, mas, sim, que esperam um reinício. Longe de ser uma narrativa contemplativa da ruína, ou uma lição de moral, este filme é uma reflexão pessoal sobre a história de um lugar de memória. É também a história da desconstrução de um grande país tomado por seu passado e entusiasmado com as incertezas de seu futuro. Uma viagem interior sobre ideias recebidas, e também sobre essa realidade brutal, às vezes enigmática, que afasta as lágrimas e seca nossa saliva. Na medida em que a história do Congo é falsificada, os homens também são falsificados, nossas identidades são falsificadas, esta história é uma falsificação porque a nossa realidade não existe.
Na medida em que o Brasil também é um país que lidou com a escravidão e a colonização, penso que esse sentimento que meu trabalho implica reflete o absurdo de se transpor um conflito pessoal para algo que deveria ser mantido entre parte da memória coletiva e do esquecimento.
- Dados técnicos
2018 | Vídeo, 12’20’’
- Ações VB
- 21ª Bienal
- Outras conexões
Como a atual crise na República Democrática do Congo começou. Brasil de Fato. 2019