"Em 2004, trabalhei em colaboração com Jolie Ruelle em um projeto de pesquisa sobre o folclore etíope. Passamos quatro meses viajando pelo país. Registramos mais de 100 histórias com câmera de vídeo e gravador de áudio. Após concluir a viagem, retornamos à casa onde cresci, em Addis Abeba. Eu queria ouvir uma...
"Em 2004, trabalhei em colaboração com Jolie Ruelle em um projeto de pesquisa sobre o folclore etíope. Passamos quatro meses viajando pelo país. Registramos mais de 100 histórias com câmera de vídeo e gravador de áudio. Após concluir a viagem, retornamos à casa onde cresci, em Addis Abeba. Eu queria ouvir uma história da minha avó, Tafesech Zeleke, que me criou. Ela nos contou uma história chamada Wenzu. Quando ela faleceu, decidi fazer esta obra para homenageá-la, recontando Wenzu em uma animação.
Um dos objetivos iniciais do projeto também era documentar as tradições orais que estavam desaparecendo devido à presença maior da televisão. Muitos contadores haviam se esquecido das histórias porque não as narravam com frequência.
Para este projeto, construí uma estufa e plantei sementes de feijão. Em um pedaço de vidro suspenso sobre a estufa, usei sal, tomates, cebolas, teff e lentilhas (ingredientes comuns da culinária etíope) para realizar a animação, enquanto os feijões cresciam no fundo. Era uma tentativa de reexperimentar a história, de trazer minha avó de volta à vida plantando os feijões que ela plantava, e preparando o prato tradicional que ela preparava para mim.
Esse é o projeto mais performático que já realizei. Enquanto o desenvolvia, aproveitava o ar fresco que vinha das plantas. Uma câmera estática conectada a um computador, instalada sobre a estufa, capturava cada frame. E, como eu estava documentando o crescimento das plantas, só podia trabalhar em direção àquilo que viria.
Eu era visitado regularmente por insetos, principalmente aranhas, e gostava muito da companhia desses visitantes inesperados. Criei uma forte ligação com os feijões ao vê-los crescer, saindo da terra em espiral, tornando-se brotos e depois plantas adultas. Após concluir o projeto, eu me sentia ligado demais aos feijões para retirá-los do meu atelier, mas encontrei um lugar para eles em um parque.
O que pode ser esteticamente mais atraente do que a comida? Considero poético o ato de plantar, de preparar, servir e comer os alimentos. O processo é tão experiencial quanto o contar da história e existe apenas para o momento, comemorativo e temporal.
A combinação do pessoal e do político nessa obra talvez esboce um retrato da minha avó e de sua solidariedade com os pobres (ela dava abrigo aos desabrigados e órfãos). O diálogo entre o asno (da parte baixa do rio) e a hiena (da parte alta) é uma referência direta às tensões de classe. Os dois personagens da história são os habitantes mais comuns da Etiópia, que tem a segunda maior população de asnos do mundo.
Hoje, muitos etiópes conhecem essa história, mas ninguém sabe sua origem ou a de seu autor. A história é também insignificante. Ela é sempre contada com algum humor, geralmente como uma pequena queixa por se estar sofrendo um abuso. Quando alguém está exigindo alguma coisa, a história pode ser contada como uma maneira de verbalizar a ação manipulativa do outro.
A criação dessa obra não pode ser repetida; foi uma experiência única e autêntica, mas o resultado final é digital. A animação torna-se uma maneira de reintegrar a história à uma psique cultural em mutação, inserindo-a na própria televisão, mantendo o passado e ao mesmo seguindo rumo ao futuro."
Ezra Wube em depoimento à PLATAFORMA:VB (outubro 2013)
- Dados técnicos
Wenzu (2011) | Ezra Wube
Vídeo | Animação stop motion, 3’09”, estéreo, cor, 16: 9, loop
Depoimento Ezra Wube | 18º Festival
- Ações VB
- 18º Festival
- Outras conexões
Link para assistir a Wenzu (2011)
O uso que o artista Vik Muniz faz de materiais orgânicos, como a comida, interessa Erza Wube.A performance Writing Time with Water (2000), de Song Dong, também está entre as referências do artista.