"Transe é a continuidade de uma pesquisa que foi iniciada em 2000, e provém do entendimento do processo artístico para a concepção do trabalho Deslocamento de Dimensões.
O conjunto da minha obra tem raízes ligadas ao candomblé e aos rituais yorubá. Em Transe falo do artista como o 'cavalo' de um orixá. Aquele que captura o embrião de uma criação, transporta sobre o corpo e o projeta sobre o plano físico. Ela também propõe questionamentos sobre leituras imediatas do cotidiano. Em um primeiro olhar, ela parece ter apenas uma ou duas dimensões, mas, à medida que giramos ao seu redor, oferece outras leituras possíveis, como a percepção de outras camadas de existência que extrapolam o plano físico. O uso da gravura associado à vídeo-projeção de Tracy Collins reforça este diálogo entre linguagem e espaço.
Esse conceito é alimentado simultaneamente por diversos aspectos, por exemplo, o uso da gravura em um campo fora do tradicional: a gravura não-seriada, na qual a matriz (com uma única aplicação de tinta) é re-impressa à exaustão sobre o papel, até que sua imagem desvaneça. Além disso, a gravura é utilizada como objeto e em instalações, onde serve como suporte (cavalo) para projeção de imagens em movimento.
Seguramente minha fonte de criação está nas raízes afro-brasileiras. Porém, nos últimos 13 anos essas raízes somam-se às influências do pensamento de Glauber Rocha e Walter Benjamin, com suas investigações sobre estados alterados de consciência – estados também encontrados em depoimentos de artistas como Agnes Martin, John Coltrane e Clementina de Jesus.
Poderia dizer que o meu trabalho lida com experiências psíquicas que transpõem tempo e espaço através de alterações na percepção humana. Meu processo trata do estado de transe a partir desta abordagem ‘glauberiana’; como um diálogo com a fonte criativa onde o artista é ora criatura, ora criador.
A obra apresenta ao menos dois momentos de visualização: a experiência do objeto iluminado e passivo sobre a parede e a experiência de deslocamento causada pelo vídeo de Tracy Collins projetado sobre os cubos. Este deslocamento refere-se precisamente ao transe, ou seja, a possibilidade de propor novos desdobramentos e camadas de leitura e fruição ao objeto."
Eneida Sanches em depoimento à PLATAFORMA:VB (outubro 2013)