Pisos

2017
Engel Leonardo
publicado em 02.10.2017
última atualização 02.10.2017

Este projeto propõe uma reflexão sobre colonialismo e modernismo na América a partir das artes visuais e da arquitetura, por meio de uma pesquisa sobre o concurso internacional para o desenho do Faro a Colón [Farol de Colombo] em Santo Domingo, em 1930-1931. Estabelece uma relação entre as bases do concurso, o projeto selecionado, os trabalhos de...


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Este projeto propõe uma reflexão sobre colonialismo e modernismo na América a partir das artes visuais e da arquitetura, por meio de uma pesquisa sobre o concurso internacional para o desenho do Faro a Colón [Farol de Colombo] em Santo Domingo, em 1930-1931. Estabelece uma relação entre as bases do concurso, o projeto selecionado, os trabalhos de construção e a proposta descartada de Flavio de Carvalho.

 

O Faro a Colón de Santo Domingo foi inaugurado em 1992, e sua construção foi baseada no desenho concebido pelo arquiteto britânico Joseph Le Gleave como parte do concurso internacional dirigido por Albert Kesley. A proposta foi selecionada de forma acidental, submetida a diferentes modificações, e terminou sendo construída depois de 60 anos para as celebrações do quinto centenário do “Descobrimento da América”. Converteu-se em um exemplo anacrônico de modernismo e em um símbolo da colonização, evangelização e conversão da América pela Europa, por sua planta e forma de cruz cristã, ideias nada relacionadas com a visão de Kesley e sua equipe, que buscavam um monumento que celebrasse o espírito de uma Pan-América moderna e a unidade entre os hemisférios Norte e Sul do Ocidente. Sua construção na década de 1990 levou à mudança de milhares de dominicanos e à destruição de centenas de moradias, assim como à criação de um muro para ocultar a pobreza dos bairros não desalojados nos entornos dos terrenos do farol, conhecido como o Muro da Vergonha. Foram instaladas potentes luminárias que projetam uma cruz enorme no céu de Santo Domingo de então, que ironicamente sofria uma grave crise energética com apagões de doze a dezoito horas diárias.

 

Oposta à obra realizada, a proposta do brasileiro Flavio de Carvalho conseguia um ótimo balanço entre as culturas do Norte e do Sul, entre as formas do design moderno e da arte indígena, referindo-se à arquitetura pré-colombiana americana e ao tema pan-nativo ao incorporar a iconografia de diferentes culturas da América, como a extinta marajoara, da Ilha de Marajó do rio Amazonas, e uma seleção de cores pensada a partir dos elementos do Caribe e do trópico.

 

O projeto Pisos consiste em retomar a proposta de Carvalho para a criação de obras visuais como uma forma de ativar reflexões e debates em torno à discussão inicial do concurso, que estética e politicamente seguem vigentes e em discussão. Além disso, permite a execução parcial e a exposição pública de seu desenho, por meio do resgate dos pisos de sua proposta, baseada nos detalhes especificados nos planos originais. A fase inicial do projeto consiste na fabricação industrial de ladrilhos hidráulicos com as três propostas de desenhos, para logo realizar diferentes murais que serão executados em duas etapas, a primeira em Santo Domingo, que consiste na colocação de seções de pisos nos bairros que se encontram do outro lado do Muro da Vergonha. Na segunda etapa, serão criados murais baseados em abstrações a partir da simbologia pré-colombiana do Caribe e da América, que serão exibidos em São Paulo no 20º Festival de Arte Contemporâneo Sesc-Videobrasil.

 

Há vários anos pesquiso sobre o modernismo como ideologia e movimento, com ênfase em suas manifestações na arquitetura e na América Latina. Paralelamente, realizei pesquisas relacionadas com a cultura popular da América Latina e do Caribe, as heranças africana e indígena, temas recorrentes da minha prática. Em 2014, participei do projeto Moderno tropical, apresentado na 27ª Bienal Nacional de Artes Visuais de Santo Domingo, que consistiu numa pesquisa sobre os elementos da arquitetura vernacular na ilha de Santo Domingo, consultas bibliográficas e viagens de campo, a partir das quais se gerou um conjunto de treze esculturas que percorriam um dos edifícios mais emblemáticos do modernismo dominicano, o Museo de Arte Moderno de Santo Domingo do arquiteto José Miniño. Nos anos seguintes, continuei pesquisando sobre arquitetura e artesanato vernacular popular, e realizei projetos em outros edifícios modernos de Santo Domingo, como o Museo del Hombre Dominicano, de José Antonio Caro, e o Pavilhão da Venezuela, desenhado pelo venezuelano Alejandro Pietri, inaugurado em 1956 para o maior projeto urbanístico moderno de Santo Domingo.

 

A pesquisa sobre o Concurso Internacional para o desenho do Faro a Colón é o quarto projeto de pesquisa relacionado com modernismo no Caribe e na América Latina, e dá origem ao projeto Pisos, do qual fazem parte os murais que serão apresentados em São Paulo. Entre propostas de arquitetos de todo o mundo, revisadas durante a pesquisa, como as de Alvar Aalto, entre outros, meu interesse se dirigiu de maneira natural à apresentada por Flavio de Carvalho, já que sua forma de abordar o modernismo, colocando-a em contexto com o clima, com a herança indígena e com o Caribe, coincidia com os temas, pesquisas e trabalhos que formam parte da minha prática.

 

É do meu interesse revisar e questionar o discurso do modernismo na América Latina, essa qualidade doutrinária que em muitos casos se impunha aos entornos, e por sua vez ressaltar as propostas que de alguma maneira conseguiam integrar as realidades sociais, históricas e estéticas do contexto.

 

Engel Leonardo​ em depoimento a PLATAFORM:VB (Agosto 2017)


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Principalmente a arquitetura, os trabalhos de arquitetos modernos latino-americanos, como Villanueva, Pietri, Niemeyer, Bo Bardi e o próprio Carvalho.

 

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