Para a realização dos vídeos O Brasil e Morte Súbita, utilizei como disparador de pesquisa a Copa do Mundo de futebol de 1970, realizada entre os dias 31 de maio e 21 de junho de 1970 em diversas cidades do México, e as reverberações politicas e sociais que esse evento teve no processo histórico-social brasileiro. Considerada por...
Para a realização dos vídeos O Brasil e Morte Súbita, utilizei como disparador de pesquisa a Copa do Mundo de futebol de 1970, realizada entre os dias 31 de maio e 21 de junho de 1970 em diversas cidades do México, e as reverberações politicas e sociais que esse evento teve no processo histórico-social brasileiro. Considerada por muitos a maior de todos os tempos, a Seleção Brasileira de 1970 conquistou em definitivo a taça Jules Rimet, tomando para si a glória de um feito heroico, num espetáculo televisionado ao vivo, pela primeira vez, para o povo brasileiro. Com forte cobertura na mídia de então, a vitória da seleção brasileira em 1970 foi usada como instrumento de propaganda do regime militar. A campanha da “seleção Canarinho” começou no ano de 1969, mesmo ano do inicio do mandato presidencial do General Emílio Garrastazu Médici, considerado por muitos o período mais duro da ditadura militar brasileira. Médici ficou conhecido por assassinar e torturar milhares de brasileiros, e também por utilizar os feitos da Seleção Brasileira para propagar o heroísmo do povo brasileiro.
O Brasil consiste de um ensaio audiovisual sobre a apropriação e a utilização dos símbolos nacionais (bandeira, hino, futebol, diversidade racial etc.) como instrumentos de propagação das ideologias da ditadura militar brasileira. O vídeo é composto a partir da combinação de materiais históricos encontrados no Arquivo Nacional e matérias dos principais jornais impressos dos anos de 1964 e 1969 com o intuito de demonstrar como a ditadura militar brasileira utilizou estratégias de marketing para construir uma identidade nacional que aproximasse a ditadura e a sociedade, para com isso encobrir os genocídios cometidos por seus ditadores.
Já Morte Súbita consiste de uma projeção de vídeo com pessoas encobrindo o rosto com a réplica da camisa da Seleção Brasileira de 1970. A trilha sonora mistura sons ambientes de estádio de futebol (gritos, palmas, fogos de artificio) com sons de protestos e manifestações na rua (bombas, tiros, gritos etc.); a trilha também é composta pela leitura dos nomes de mortos e desaparecidos políticos no ano de 1970 coletados em relatórios de organizações de combate à violação de direitos humanos, como o Grupo Tortura Nunca Mais.
Os vídeos apresentados no 20º Festival de Arte Contemporânea Sesc_Videobrasil representam um período muito importante em minha produção artística, pois a realização de ambos ocorreu em um momento de aprofundamento das minhas estratégias de pesquisa e desenvolvimento de trabalhos. Até o inicio do ano de 2013, quando comecei a pesquisa para os vídeos, todos os meus trabalhos lidavam com respostas rápidas para fatos ocorridos somente no tempo presente. Ou seja, os trabalhos que desenvolvia até então não pretendiam investigar o passado histórico do Brasil com o intuito de entender os acontecimentos do tempo presente. A partir de O Brasil e Morte Súbita, meus trabalhos começaram a se enveredar no passado do Brasil, ou melhor, nos aspectos específicos da história brasileira, tentando, com isso, investigar alguns momentos de violência do Estado que ecoam até hoje no processo de construção da sociedade brasileira. Desde então, grande parte dos meus trabalhos lançam mão dessa estratégia, de perguntar para o passado sobre os problemas do presente para construírem suas narrativas. O ponto de partida para construção dos vídeos surgiu na ideia do artista como um historiador que propõe outras narrativas acerca de fatos obscuros do passado. Para tanto, fui pesquisar trabalhos de arte contemporânea construídos a partir da prática do artista-historiador. Em sua grande maioria, essas obras não concentram sua investigação somente na criação de novos arquivos; pelo contrário, muitos dele ressignificam fatos e arquivos já existentes para operarem, assim, uma intervenção direta na História. Alguns artistas-historiadores baseiam seus trabalhos na pesquisa de personagens esquecidos, quase invisíveis ou marginalizados pela História, ou seja, buscam dar visibilidade, através de suas produções, às “histórias paralelas”, mostrando, assim, como os caminhos percorridos para a escrita das grandes narrativas passam pela interconexão entre histórias pessoais e coletivas. Outros artistas-historiadores utilizam fatos históricos para criar narrativas ficcionais em suas obras, ou seja, esses artistas produzem uma espécie de “história especulativa”, em que a verdade é questionada a todo momento, pois, ao operarem uma leitura ficcional, revelam a possibilidade da existência de outros passados escondidos dentro da História. Os vídeos O Brasil e Morte Súbita não focam sua investigação em apenas uma das práticas dos artistas-historiadores; pelo contrário, ambos os vídeos transitam entre a ficção, o documentário e o ensaio.
Jaime Lauriano em depoimento a PLATAFORM:VB (Agosto 2017)
- Dados técnicos
Morte súbita, 2014 | Vídeo, 24' 51"
Jaime LaurianoO Brasil, 2014 | Vídeo, 18' 56"
Jaime Lauriano
- Ações VB
- 20º Festival
- Outras conexões
Prefiro não citar referências para a construção dos meus trabalhos, pois incorreria no erro de esquecer pessoas importantes que influenciaram outras escolhas que não estão diretamente evidentes em trabalhos específicos. Por isso, gostaria de dizer que as minhas influências são diversas, incluindo desde arte contemporânea brasileira, até mascaras do povo Dogon, do Mali, passando pelo futebol e suas histórias político-sociais.