Nasci em um país profundamente enraizado em tradições e superstições. Originalmente, nossa cultura ancestral deriva do animismo. Ao longo do tempo, ela sofreu várias mutações ao entrar em contato com outras culturas. Hoje em dia, carrego dentro de mim um fragmento desse conjunto. Essas influências cumulativas têm um impacto na...
Nasci em um país profundamente enraizado em tradições e superstições. Originalmente, nossa cultura ancestral deriva do animismo. Ao longo do tempo, ela sofreu várias mutações ao entrar em contato com outras culturas. Hoje em dia, carrego dentro de mim um fragmento desse conjunto. Essas influências cumulativas têm um impacto na minha visão das coisas e em tudo o que eu faço em um mundo em mudança perpétua. Meu trabalho é um convite para viajar em um universo de assuntos para trabalhar e domar. Combino passado e presente através dos temas que abordo.
Uso diferentes técnicas e suportes para que o material, a estrutura, a organização e seus elementos constitutivos se tornem parâmetros para minhas obras. Nelas, o lado estético ocupa um grande espaço. Obtenho isso através da superposição, da transparência e da combinação de materiais, cores e luz. Estou sempre procurando o lado invisível do visível. Por um tempo, tenho pesquisado esses elementos para me expressar por meio das novas ferramentas da tecnologia. Nas minhas criações, sou sensível e permanece atento às questões colocadas pelos mistérios provenientes das ciências ocultas na sociedade tradicional africana. Para alcançar isso, exploro vários suportes, como vídeo, fotografia, pintura e escultura para me expressar.
Em Faraw Ka Taama, milagres ocorrem em uma aldeia, pedras se movem com chicotadas além de vários outros mistérios, terminando na magnífica vista de uma ponte. Uma velha passa com sua filha e lhe conta a história da construção da estrutura hidráulica: a ponte de Markala.
CONTANDO AS HORAS
Faraw Ka Taama em bambara e Viagem da pedra em português, o filme é uma jornada através do tempo e do espaço, contado por meio de uma lenda do Mali durante a época colonial. Quando eu era criança, fui marcado pela lenda da construção da ponte de Markala. De acordo com essa lenda, uma aldeia reagiu misticamente transportando montes de pedras sob chicotadas. O chicote era feito de ferro e usado por uma criança de nove anos de idade. Anos mais tarde, certas passagens dessa narrativa despertaram em mim a reflexão sobre a relação entre animação (meios virtuais) e animismo (meios mágicos e místicos). Essa foi, em essência, a origem do projeto Faraw Ka Taama. Daí a ligação do filme com o título Telling Time [Contando as horas].
Este trabalho nasceu do questionamento do relacionamento e das semelhanças entre a animação em e o mundo do animismo. Eu acredito que esses dois mundos têm em comum o fato de conceder vida e alma a elementos inanimados. O animismo usa espíritos através de encantamentos ou combinações químicas, daí a contribuição da ciência oculta, enquanto na animação são utilizados os efeitos especiais tecnológicos. Este filme é uma parábola, emprestando a forma do conto para evocar a dor sempre presente no passado colonial do Mali. Com um estalar do chicote, uma criança coloca uma pilha de pedra que atravessará a paisagem como um rebanho de bois. Mas por trás da magia esconde-se uma realidade cruel, uma memória viva: a de milhares de trabalhadores forçados, sob o estalar do chicote, sob o sol ardente, a construir a ponte de Markala. Por isso eu presto homenagem aos meus antepassados que sofreram e participaram desse famoso trabalho que é o orgulho do Mali. Esta ponte, construída com dor ao custo de sacrifícios enormes, garante a auto-suficiência alimentar em um país da atual zona do Sahel. À beira do rio, a barragem de Markala gera eletricidade para as pessoas.
Seydou Cissé em depoimento a PLATAFORM:VB (Julho 2017)
- Dados técnicos
Faraw ka taama, 2012 | Vídeo, 11'
Seydou Cissé
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