Em 2013, foi a primeira vez que vi na Internet uma foto de cortinas e carpetes costurados e suspensos entre edifícios bombardeados. Fiquei pasmo com essa foto e comecei a pesquisar ainda mais até descobrir que as pessoas de Aleppo – em zonas divididas por guerras e cheias de franco-atiradores – para se protegerem, retiraram as cortinas das varandas, costuraram-nas com...
Em 2013, foi a primeira vez que vi na Internet uma foto de cortinas e carpetes costurados e suspensos entre edifícios bombardeados. Fiquei pasmo com essa foto e comecei a pesquisar ainda mais até descobrir que as pessoas de Aleppo – em zonas divididas por guerras e cheias de franco-atiradores – para se protegerem, retiraram as cortinas das varandas, costuraram-nas com tapetes e as penduraram entre edifícios para criar passagens seguras nas ruas. De todas as imagens da mídia e da internet que estamos recebendo das zonas de guerra, acredito que essas imagens, que não têm sangue, cadáveres ou cabeças decapitadas são as mais expressivas em relação às atrocidades das guerras.
Esses muros de cortina são belos como obras de arte, mas não são executados por sua estética, mas para proteger da morte.
Esses muros de cortina são muito frágeis e podem ser atravessadas por uma simples bala, mas não pela visão do atirador.
Esses muros de cortina são costurados como um ato de catarse que pertence à fatalidade das tragédias.
Esses muros de cortina com sua beleza, fragilidade e fatalidade separam o assassino de sua vítima. Eles criam dois espaços: O Aqui e o Ali [Here and There]. Dois espaços entre a vida e a morte. Esse "Aqui” e “Ali” não existem apenas em Aleppo – eles podem estar em qualquer lugar.
Essas fotos foram o ponto de partida de uma série de Projetos em que estou trabalhando. O primeiro trabalho foi apresentado e comissionado pela Bienal de Sharjah de 2017, uma peça de teatro: Close to Here [Perto daqui]. Ele explora uma sensação persistente de saudade, perda e ausência diante do retorno incerto. A obra teatral se situa numa cidade próxima, onde os tempos de paz são poucos e distantes. A maioria dos habitantes vai à guerra; alguns morrem em batalha enquanto outros desaparecem, seu destino presumido marcado apenas por sua ausência. Para os que permanecem nessas cidades, surge uma tradição, na qual os ensaios funerários são realizados na noite anterior à partida de seus entes queridos. Close to Here é uma peça de teatro presa em uma história de uma cidade cativada pela melancolia infinita de seu próprio povo. Trabalhei nessa peça com três atrizes (Julia Kassar, Lina Sahhab e Sandy Chamoun) e três músicos (Liliane Chlela, Fouad Afra e Bashar Farran). Ela foi apresentada pela primeira vez no Instituto Sharjah de Artes Teatrais na noite de abertura da 13ª Bienal de Sharjah. Em paralelo, e em um dos corredores dos Sharjah Art Spaces, montei a primeira instalação Here and There - Sharjah Edition. Uma cortina monumental foi costurada com materiais duráveis utilizados em toldos e coberturas de varanda que protegem as pessoas do sol nos países mediterrâneos. Ecoando o ambiente de Close to Here, essa cortina permaneceu instalada durante toda a bienal, funcionando como uma relíquia da performance e uma homenagem às cidades onde esses tecidos foram colocados nas ruas entre edifícios vizinhos. Uma visão onipresente na paisagem urbana de cidades não longe daqui, as cortinas agora oferecem cobertura aos moradores de uma ameaça muito mais iminente que o sol.
Enquanto trabalhava no desenvolvimento de Here and There - São Paulo Edition para o Videobrasil, participei de uma residência artística na Villa Sul (Instituto Goethe) em Salvador, Bahia. Como parte da minha pesquisa sobre a história da escravidão, interessei-me pela Revolta dos Malês, uma revolta contra o governo, em 1835, liderada por escravos negros árabe-muçulmanos conhecidos em Salvador, na época, como malês. A presença dessa comunidade de escravos árabe-muçulmanos em Salvador me intrigou e comecei a pesquisar ainda mais o remanescente contemporâneo de sua existência lá. Encontrei muitas conexões, mas o mais interessante foi como eles trouxeram a cultura dos amuletos com eles do mundo árabe para o Brasil, e como ela está muito presente no Brasil até hoje.
Amuleto em árabe é hijab, e a palavra em árabe vem do verbo hiajab(a), que significa bloquear. No caso dos amuletos, o significado tem o sentido de bloquear o mal, ou, mais especificamente, bloquear o mau-olhado. Em paralelo, as cortinas erguidas em Aleppo foram usadas para bloquear o olhar do atirador. Essa conexão se tornou inevitável ao trabalhar no desenvolvimento de Here and There - São Paulo Edition. É por isso que a parte performativa do projeto seguiu na direção de criar dois objetos:
- Uma grande cortina que divide o espaço entre Aqui e Ali, com todas as conotações sociais e políticas contidas nesses dois espaços.
- Os amuletos que são distribuídos ao público.
Roy Dib em depoimento a PLATAFORM:VB (Agosto 2017)
- Dados técnicos
Here and There – São Paulo Edition, 2017 | Performance/Instalação
Roy Dib
- Ações VB
- 20º Festival