"Comecei a pensar nessa obra em um período onde minhas atenções estavam voltadas para as relações possíveis entre lugares e suas representações. Essas questões perpassam meu trabalho como um todo, mas alguns elementos como mapas e guias de viagem começaram a surgir com maior força a partir de 2008, quando mudei de Porto Alegre para Belo Horizonte em decorrência de uma residência de um ano, oferecida pela Bolsa Pampulha.
O conjunto de obras que decorreram desta experiência integram o universo de pesquisa para a produção de The World. Em 2009, produzi uma obra utilizando guias turísticos de Belo Horizonte. Ao todo, 32 livros foram abertos sobre uma mesa, sempre em páginas distintas, destacando as imagens destas páginas com estilete e dobrando-as de modo a simular uma maquete. A ideia era pensar como seria fisicamente a cidade editada do guia de turismo, onde todos os lugares são exibidos em seus melhores ângulos, fotografados na condição climática mais favorável, dimensionados de acordo com o poder que exercem e repetidos na medida de sua popularidade. A partir desta experiência tive o desejo de pensar uma obra utilizando guias de viagem dos mais diversos lugares do mundo.
The World surge a partir do momento que vislumbro a possibilidade de fazer emergir dos guias de turismo, um mundo ficcional construído pela indústria do entretenimento, criando paisagens fantásticas a partir de elementos decodificados. Apesar de estar ancorada em uma questão de ordem conceitual, a obra se faz a medida que me dedico a ler, analisar, recortar e colar, cada um destes livros. O plano de construção para estes lugares vai surgindo a partir de uma leitura literalmente incisiva, pois aqui trata-se de uma leitura com a faca na mão. Com o uso de diferentes estiletes, as imagens são recortadas em seus micro detalhes e posteriormente aplicadas na superfície dos livros em um processo que pode levar semanas para cada guia. É uma leitura muito diferente da realizada pelo turista, porque eu não estou pensando o que desejo fazer neste lugar em 15, 7 ou 3 dias. Estou disposto a entender que lugar é este contido no livro, qual é o plano diretor que norteia a construção deste espaço a ser consumido, qual é a imagem de lugar que deve ficar impregnada neste leitor e que muitas vezes acaba frustrando a experiência do lugar.
Minha referências vão se acumulando ao longo da pesquisa e da vida. Além da publicidade e da literatura, a ligação com a geografia remonta à minha infância e ao fato de que essa era uma das minhas disciplinas preferidas. Nas aulas de geografia eu tinha liberdade para trabalhar com materiais diversos, desde que conseguisse representar em uma maquete, o relevo, a vegetação ou então a zona urbana ou rural da cidade.
Outra referência importante para esta obra foi o filme chinês The World (2004), dirigido por Jia Zhangke, que me foi indicado por Guilherme Wisnik durante o acompanhamento de outro projeto.
The World aborda um mundo onde o sucesso e a importância podem ser medidos em milhas viajadas. Onde o turismo está em ampla expansão e as estratégias adotadas seguem o padrão especulativo que mira primeiramente o lucro que pode ser atingido e quase nunca os impactos reais. Um mundo onde qualquer cidadão possa sentir-se em casa em qualquer lugar, muito embora a ansiedade diante da possibilidade de conquista acabe por inibir o seu senso de pertencimento a um lugar ou a uma cultura. Paradoxalmente este também é um mundo onde, sem sair do lugar, podemos ter a ilusão de que o conhecemos realmente, e estas são algumas das questões que disparam o processo de produção desta obra."
Daniel Escobar em depoimento à PLATAFORMA:VB (outubro 2013)