Queer Archives Institute

2016
Karol Radziszewski
publicado em 01.04.2016
última atualização 04.04.2016

“Em um apartamento particular de Varsóvia, em 2005, inaugurei minha exposição solo, entitulada Fags, que foi minha libertação artística e, ao mesmo tempo, a primeira mostra abertamente homossexual na Polônia. Evidentemente, alguns temas gays já haviam emergido nos trabalhos de outros artistas poloneses, mas nunca de forma tão...


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“Em um apartamento particular de Varsóvia, em 2005, inaugurei minha exposição solo, entitulada Fags, que foi minha libertação artística e, ao mesmo tempo, a primeira mostra abertamente homossexual na Polônia. Evidentemente, alguns temas gays já haviam emergido nos trabalhos de outros artistas poloneses, mas nunca de forma tão direta e conspícua. No mesmo ano, comecei a publicar a DIK Fagazine, de edições irregulares. É a primeira, e até então a única, revista de arte do Centro e do Leste Europeu totalmente dedicada ao tópico de masculinidade e homossexualidade no contexto amplo de cultura e arte, com um foco particular na região. Durante muito tempo, na Polônia, bem como em muitos outros Estados pós-socialistas, a homossexualidade continuou sendo um tabu após a transformação política; e por vezes foi tratada como algo ‘advindo do Ocidente’. Por exemplo, na Ucrânia, que hoje busca uma adesão à União Europeia, não é incomum escutar argumentos contra essa ascenção, afirmando que, como resultado, o país se transformará em uma ‘Sodoma’. Esse argumento é difundido na região, especialmente nos país que ainda vivem sob forte influência da Igreja Católica Romana ou Ortodoxa. Na extremidade oposta do espectro, Varsóvia sediou a ‘Europride’ em 2010. Isso poderia ser percebido como elemento de uma ‘colonização arco-íris’, movimento em que ‘gays ocidentais’ trazem suas bandeiras coloridas para o Leste Europeu. Na mesma época, uma conferência seguiu o embalo do evento e abordou o chamado pink money [dinheiro rosa]—o poder de compra da comunidade gay exclusiva. Como resultado, conclui que havia uma forte necessidade de provar que a cultura queer já existia na Polônia durante a era socialista, que éramos ‘queer antes de sermos gays’. Consequentemente, meu objetivo é recuperar esse aspecto do passado como parte da história cultural da Polônia em geral, não só como elemento da história queer.

Meu método principal foi conduzir entrevistas com pessoas mais velhas e consultar seus arquivos privados (fotogradias, escritos pessoais), que geralmente não haviam sido compartilhados antes. Meu trabalho raramente envolve visitas a bibliotecas; prefiro focar no contato direto com as testemunhas dos eventos e coletar suas memórias. Tipicamente, em primeiro lugar, eu me encontrei com ativistas locais, que me forneceram informações sobre pessoas com quem eu poderia conversar e sugeriram novas avenidas onde eu conseguiria encontrar mais material. Assim, entrevistas gravadas em áudio ou vídeo tornaram-se documentos, o início de um arquivo.

Esse trabalho se expandiu do contexto polonês altamente local, de início, para uma inclusão gradual de países vizinhos em busca de aspectos em comum, até a tentativa atual de alçar uma perspectiva mais ampla. Ao viajar para o Brasil e explorar a questão dos arquivos queer brasileiros, encontrei algumas similaridades com os resultados da pesquisa que eu vinha conduzindo. O tema em particular ‘Sul global’ se sobrepõe, entrecruza e articula repetidamente com o ‘Leste global’. O que vem à tona é uma história de ‘província global’, timidamente tentando descobrir sua própria linguagem e criar suas próprias identidades independentes. Projetos anteriores já haviam comparado o Leste Europeu com a América Latina, como, por exemplo, a exposição recente Transmissions: Art in Eastern Europe and Latin America, 1960–1980, no Museum of Modern Art, em Nova York, em 2015, que focou nos paralelos e conexões entre os artistas. No entanto, até agora, ainda não me deparei com nenhuma tentativa semelhante de coletar um arquivo queer em um determinado contexto. Tais justaposições, para mim, representam um experimento interessante. Eu me concentro em um contexto bem similar, em certas limitações, bem como em um caráter de vestígio de histórias que ainda hão de ser contadas.

É em tópicos centrais desse tipo que eu gostaria de encaixar meu projeto mais recente, o Queer Archives Institute (QAI), estabelecido no dia 15 de novembro de 2015, isto é, no trigésimo aniversário da Operação Hyacinth na Polônia. A inauguração oficial do instituto foi realizada durante a exposição do Videobrasil em abril de 2016, em São Paulo. Por um lado, o projeto foi concebido para resumir o meu trabalho até então, e por outro, para tentar estabelecer cooperações permanentes com parceiros (como artistas, ativistas, acadêmicos e ONGs locais). O objetivo é coletar arquivos queer de diversas regiões geográficas, especialmente as ‘periféricas’, sejam elas literalmente ou simbolicamente colonizadas, e torná-los acessíveis e passíveis de interpretação artística. A principal plataforma do QAI será um site de materiais digitais reunidos, de scans de fotografias de arquivos, revistas e publicações, passando por entrevistas em áudio e vídeo, a textos analisando conceitos e metodologias relacionadas. Devido ao caráter inteiramente privado da iniciativa, no começo, por necessidade, a escala do empreendimento foi limitada; todavia, a ideia é ganhar um escopo maior com o tempo.

Além do processo de catalogação e organização em ordem geográfica/cronológica, a criação de um sistema para viabilizar buscas temáticas é de suma importância, formando conexões hipertextuais em diversos níveis entre materiais de lugares geograficamente distantes. Portanto, a dimensão digital do QAI precisa ser complementada por uma iniciativa ‘material’: por meio da organização e co-organização de exposições que apresentem os materiais coletados, por vezes com a participação de artistas convidados. Em uma escala menor, usei essa estratégia na exposição de inauguração no Videobrasil, onde materiais visuais do arquivo, como fotografias voyeurísticas de diversas praias, foram justapostos lado a lado. Da mesma forma, apresentei as primeiras publicações LGBTQ (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Trans e Queer) de vários países, bem como artefatos (pôsters, folhetos, imagens, livros) relacionados ao início da epidemia de AIDS.”

Karol Radziszewski em depoimento para a PLATAFORMA:VB (março de 2016) / Baseado no texto "In Search For Queer Ancestors”, publicado em L’Internationale EPUB “Decolonising Archives” (fevereiro de 2016)


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