"Fui selecionado pelo Prêmio Videobrasil em Contexto 2012 e fiquei entre setembro e dezembro daquele ano em residência na Delfina Foundation, em Londres, e na Casa Tomada, em São Paulo. A proposta inicial do prêmio era que eu explorasse o acervo do Videobrasil. Imediatamente. eu me coloquei diante dos trabalhos apresentados no 15o Festival, inteiramente dedicado...
"Fui selecionado pelo Prêmio Videobrasil em Contexto 2012 e fiquei entre setembro e dezembro daquele ano em residência na Delfina Foundation, em Londres, e na Casa Tomada, em São Paulo. A proposta inicial do prêmio era que eu explorasse o acervo do Videobrasil. Imediatamente. eu me coloquei diante dos trabalhos apresentados no 15o Festival, inteiramente dedicado à performance — essa edição, que ocorreu no Sesc Pompeia em 2005, contribuiu muito para a minha formação em artes visuais. A soma entre minha pesquisa, as trocas estabelecidas com a artista Paula Garcia e a relação com os trabalhos do acervo permitiram a definição de conceitos-chave para refletir sobre a instalação proposta. Esses conceitos passam principalmente pela noção de um corpo controlado por forças invisíveis, como o poder e os espetáculos de sujeição (destacados por Coco Fusco em Bare Life Study #1) e o soterramento metálico (na performance #4 da série Corpo Ruído de Paula Garcia). São obras que apontam para o apagamento da subjetividade derivada do controle do corpo e dos seus movimentos. Nesse período, também olhei para outros trabalhos, como M3x3 de Analívia Cordeiro, que participou da mostra Made In Brasil, no Itaú Cultural, em 2003. Essa obra, que utiliza meios de transmissão e o roteiro de uma dança feita com/para as câmeras de televisão, me permitiu pensar sobre o atravessamento do corpo pelas informações. Outras referências importantes foram também os grupos de música que exploram um corpo mais livre, queer, como por exemplo o Solange, Tô Aberta!, a Deize Tigrona, entre outr@s — nesse sentido, a obra desenvolvida revela o oposto da liberdade vivida por esses artistas, explicitando mecanismos visíveis e invisíveis de controle do corpo, como a máquina física criada e o campo magnético mediador dessa relação.
A parceria com Paula Garcia é fruto de uma longa conversa, iniciada em 2007. Ela fazia mestrado na Faculdade Santa Marcelina, em São Paulo, com orientação da professora, crítica e curadora Christine Mello. Nesse período, frequentávamos o mesmo grupo de estudos, o Arte & Meios Tecnológicos, coordenado também pela Christine. Na ocasião, estudamos juntos diversos artistas, históricos e contemporâneos, e lemos diversos textos, como Fenomenologia da Percepção [hyperlink] de M. Merleau-Ponty — uma referência importante para nossas pesquisas. Foi nesse período que a Paula intensificou o trabalho dela com os ímãs no corpo — e alguns anos depois, começou a trabalhar com a artista Marina Abramovic, em Nova York, que também foi uma referência para nós, com a obra Relation in Space, 1976, realizada com seu então parceiro, Ulay.
Para mim, a chegada em Estudo para Duelo se dá ainda a partir de Redes Vestíveis, 2010. Naquele momento, eu lia sobre uma obra da Lygia Clark chamada Redes de Elástico, de 1974, em que as pessoas construíam e usavam juntas essa rede elástica. Ao olhar para essa performance coletiva, começou a ficar claro para mim que a noção de rede que se tinha nos anos 70 já não é a mesma atualmente. Hoje, falamos muito da perspectiva de redes de comunicação, e de um atravessamento invisível dessas redes no corpo das pessoas, como linhas diagramáticas que explodem e se multiplicam pelos espaços. Sempre faço esse exercício de olhar para a história da arte tentando perceber o que conseguimos apreender e transformar para as nossas práticas hoje, minimizando o fetiche histórico desses trabalhos. Em Redes Vestíveis, criei portanto um aplicativo para celular que fazia com que as pessoas se tornassem nós de uma rede elástica, que elas podiam tensionar a partir das movimentações das outras pessoas, visíveis na interface do aparelho telefônico.
A partir dessa obra, comecei a refletir sobre a maneira pela qual a informação (imaterial) afeta e mobiliza o corpo. Trazer essa dimensão concreta, de um corpo afetado, acelerado e tensionado pelas tecnologias, me fez perceber e deslocar problemáticas trazidas por gerações de artistas anteriores à minha, que viam o mundo digital e cibernético desde um ponto de vista descolado da realidade concreta — mas baseado na simulação, na virtualidade e na fabulação de mundos outros. Meu desejo sempre foi o de compreender o espaço das redes como o espaço das cidades, que consequentemente produz efeitos diretos na vida e nos corpos nelas presentes. Um evento que me chamou a atenção, por exemplo, foi uma manifestação no Largo da Batata, em São Paulo, em 2013, quando começou a haver quedas das redes 3G enquanto todos os manifestantes estavam se comunicando para se organizarem e se encontrarem nas ruas. Ficava clara a influência dessa rede na mobilização e encontro das pessoas no espaço, gerando em mim certo desejo em querer fazer sentir no próprio corpo a presença dessa imaterialidade.
Meus trabalhos sempre estiveram nesse lugar da imaterialidade e dos agenciamentos espaciais e coletivos, com suas possíveis consequências físicas, como no caso de O Transporte #1 e #2, 2009 e 2011. Contudo, no início da pesquisa de doutorado na ECA-USP, 2011-2015, intitulada Campos de Invisibilidade, foi amplificado o desejo de fazer sentir concretamente no corpo esses campos invisíveis.
Nesse sentido, a interlocução com Paula Garcia, que estava morando em Nova York, voltou a ser fundamental. Assim, no início da residência, ao receber o comissionamento do Videobrasil, retomamos a conversa sobre a possível cocriação de uma instalação, que havíamos iniciado de modo mais solto, seis meses antes. Pensamos que faria muito sentido que essa obra fosse realizada em conjunto. Essa interlocução se manteve constante enquanto eu construía a peça em São Paulo (junto aos nossos parceiros). Durante esse desenvolvimento, foi fundamental a presença do artista e também técnico na confecção de instalações em grande formato, Paulo Galvão. Ele já havia trabalhado na série Corpo Ruído, da Paula, e sabia como manipular estruturas de ferro e ímã. Ele desenhou tecnicamente a peça e também trouxe inúmeras contribuições estéticas e conceituais. No começo, eu havia pensado em coletes imantados que fariam as pessoas se colarem umas às outras, se repelirem, criando um jogo confuso entre os participantes. Mas para o trabalho ter contundência, ele precisaria ter ímãs fortes e, ao mesmo tempo, dar segurança ao público. O importante era o desejo de fazer as pessoas sentirem essas mediações dos campos de invisibilidade, sobre as quais eu havia falado. E o confronto único entre duas pessoas foi se demonstrando mais potente. Nesse processo, foi se consolidando a ideia de uma arquitetura de controle explicitada na sensibilidade dos corpos dos participantes, esse campo invisível de mediação das relações entre pessoas, presente em muitos lugares: no desenho arquitetônico dos espaços, nas tecnologias, nas relações, etc. Finalmente, o trabalho se tornou essa máquina que controla o corpo e a relação de aproximação entre as pessoas. Ao mesmo tempo, a participação do público é facultada, pois somente a presença da instalação no espaço já produz também discurso, apesar de outras camadas aparecem na interação.
Como artista, a maior parte dos meus trabalhos ocorrem em colaboração, reduzindo assim, diante de inúmeras negociações estéticas e conceituais, a existência ou o desejo de um estilo próprio. Essa postura de colaboração com outros artistas não tem nada de apaziguadora; pelo contrário, é uma negociação constante de limites estéticos, éticos e poéticos. Paula e eu tivemos várias discussões intensas para que se chegasse ao formato atual da obra. O problema dessa ideia de estilo é que te faz cair numa espécie de autoformalismo. Isso é um problema porque cada trabalho tem uma questão que demanda respostas estéticas específicas, bem como diálogos contextuais e não apenas formais. Essa ideia de personalização da criação artística não me interessa, nem mesmo certa valorização “do corpo do artista”. No caso desta obra, por exemplo, me interessa dar visibilidade a essa máquina com visibilidade bruta, que não se acomoda bem ao corpo, que não é totalmente ergonômica. Isso enquanto posicionamento estético me interessa. Essa ideia dos embates públicos cotidianos é também importante. O que eu faço geralmente é inventar algumas regras que dão início a um jogo e disparam o processo de criação, que frequentemente ocorre em colaboração e, consequentemente, num processo de negociação."
Cláudio Bueno em depoimento para a Plataforma:VB (Janeiro de 2016)
- Dados técnicos
Estudo para Duelo, 2013 | Instalação
Estudo para Duelo, 2013
- Ações VB
- Acervo Videobrasil em Contexto #1
- Outras conexões
Obras de referência | Acervo Videobrasil:
#4 (da série Corpo Ruído - Estudo para um Soterramento) | Paula Garcia
Bare Life Study #1 | Coco Fusco
Algumas obras teóricas relevantes para o artista:
BARTHES, Roland. Como Viver Junto. São Paulo: Martins Fontes, 2003
CAUQUELIN, Anne. Frequentar os Incorporais. São Paulo: Martins, 2008
MERLEAU-PONTY, Maurice. Fenomenologia da Percepção. São Paulo: Martins Fontes, 2006