The Atlas of Places Do Not Exist

2015
Ting-Ting Cheng
publicado em 03.10.2015
última atualização 19.10.2015

João Laia: Entre outras questões, a sua prática artística vem explorando a relação entre língua e identidade. O Atlas dos Lugares Que Não Existem (The Atlas of Places Do Not Exist), que consiste em uma biblioteca com uma coleção de livros, trabalha com essa ideia através da lente da literatura e da escrita. Você...


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João Laia: Entre outras questões, a sua prática artística vem explorando a relação entre língua e identidade. O Atlas dos Lugares Que Não Existem (The Atlas of Places Do Not Exist), que consiste em uma biblioteca com uma coleção de livros, trabalha com essa ideia através da lente da literatura e da escrita. Você poderia comentar o desenvolvimento dessa ideia?
Ting-Ting Cheng: Eu me interesso por comunicação, símbolos, interpretação, codificar e decodificar, e por essas conotações ocultas. A língua, para mim, não é mero meio de comunicação com o outro, mas também um emblema da nossa identidade. Esse é o motivo pelo qual diversos trabalhos meus são baseados em textos ou incluem texto ou linguagem verbal. E eu não consigo enxergar o The Atlas of Places Do Not Exist (Atlas dos Lugares Que Não Existem) fora desse contexto. O projeto começou com a minha experiência de ficar detida por uma noite inteira no aeroporto de Gatwick. Na sala de detenção, havia uma estante cheia de livros. Não havia um assunto único, coerente, naquela seleção. Eram romances, novelas policiais, ficção científica, e evidentemente a Bíblia e o Alcorão. Quando me liberaram (por sorte), tive a ideia de reconstruir aquela estante de livros. Entrei em contato com todos os aeroportos do Reino Unido, perguntando se podia visitar as salas de detenção para obter uma lista de livros, e evidentemente, recusaram meu pedido. De todo modo, essa experiência me fez pensar no espaço físico e na localização dessas salas de detenção. Fisicamente, eu estava em território da Grã-Bretanha, mas ao mesmo tempo, simbolicamente, não estava. Ainda não havia entrado no país. De alguma forma estava entre lugares. Afinal onde eu estava? Além disso, como imigrante, o tema da migração é outra constante no meu trabalho. Sou fascinada por essa condição entre lugares. Será que existe mesmo essa zona cinzenta? Quem é responsável pelas pessoas nessa zona cinzenta? ‘Existência’ passou a ser a palavra-chave. O que é visível/invisível, alcançável/inalcançável? Existir tangível ou virtualmente? Então resolvi construir essa biblioteca, como um espaço fisicamente existente cheio de conceitos de não-existência. Espero explorar e discutir a definição de existência com o público a partir dos livros que escolhi. 


JL:De que maneira a encomenda dessa obra especificamente influenciou o desenvolvimento do projeto e como você fez para escolher os livros? 
TTC: O conceito original do projeto é construir uma biblioteca de verdade, contendo livros sobre lugares que não existem. Uma biblioteca de verdade, quero dizer, com centenas de livros, com um sistema de catalogação adequado para o público poder pesquisar e procurar entre os livros, confortável, com lugar tranquilo para sentar, onde possam ler esses livros. Minha primeira experiência foi durante uma residência curatorial em Londres, a convite da curadora Oona Doyle. A exposição aconteceu na própria residência, no espaço doméstico onde os curadores estavam morando na ocasião. Era um lugar pouco comum para uma exposição de arte, uma vez que era mais um ambiente cotidiano que encontramos diariamente, o que foi, e ainda é, perfeito para o meu projeto. Minha intenção era construir essa biblioteca como se ela tivesse estado ali desde sempre, convidando o público a interagir confortavelmente com ela. Usei a estante, que na ocasião ficava ao lado da cozinha, e a mesa e as cadeiras da cozinha, reformuladas, como área de leitura. Com apoio do Goldsmiths College, consegui 200 livros emprestados da biblioteca deles para a exposição. Apesar do contexto fascinante da primeira experiência, a encomenda do Videobrasil é a primeira oportunidade de realizar adequadamente o projeto em sua escala ideal. A biblioteca contém 250 livros em inglês e 250 livros em português, de todas as áreas, todos sobre lugares que não existem, livros de política, filosofia, religião, sociologia, ficção, saúde, meio-ambiente etc., com um catálogo que não só tem papel funcional para o público navegar na biblioteca, mas que também abre a discussão sobre a essência dos lugares e da existência. O processo de pesquisa também foi uma experiência muito interessante. É a primeira vez que incluo livros em outras línguas além do inglês, para que o trabalho se aproxime mais do público local. E tentar entender uma língua que não conheço, como o português, de alguma forma se tornou parte do conceito, que já vinha de outros projetos meus em que tentei aprender uma língua que não compreendia para me encaixar em uma nova sociedade. 

JL: O Videobrasil vem cada vez mais discutindo a ideia do chamado Sul Global, que é um lugar geopolítico imaginário, que envolve uma série de símbolos e histórias complexas. De que maneira o interesse por esse lugar simbólico pode ajudar a contextualizar o seu trabalho?
TTC: Achei fascinante o conceito de Sul Global. E, sim, isso tem muita relação com The Atlas of Places Do Not Exist. O Sul Global é um lugar que não existe fisicamente. É um conceito de sul. É relativo. Sendo de Taiwan, precisei confirmar com a organização se eu pertenço ao Sul Global ou não. O Sul Global se define politica, econômica ou historicamente? É uma relação de poder entre países. Estou muito feliz pela oportunidade de apresentar o projeto nesse contexto. É como um atlas dentro de um atlas maior. As questões geopolíticas, econômicas, e da história da arte, levantadas por esses eventos, entrelaçam o mapa que eu fiz ao contexto mais amplo do festival. Imagino que a questão do desequilíbrio nas relações de poder ainda apareça mais aqui. Por outro lado, espero que o atlas que estou apresentando possa ser uma boa nota de rodapé ao festival, na medida em que trata da relatividade de noções geográficas como sul e norte. Subjetivamente, o atlas mapeia minha própria seleção e definição de lugar inexistente, esperando levantar questões acerca do conceito com outras pessoas, sobre sistemas alternativos de mapeamento e a possibilidade de transformar as relações vigentes.


Ting-Ting Cheng em entrevista ao curador João Laia, membro da Comissão Curatorial do 19º Festival (julho 2015)


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