Pendular, da série Projeto amplitude

2014
Waléria Américo
publicado em 03.10.2015
última atualização 07.10.2015

"Na pesquisa para Pendular, sublinho uma preocupação em esperar, em não se precipitar diante da primeira imagem, deixando que a duração a faça estabilizar. Para escrever a escuta do que nos cerca é preciso deixar as coisas voltarem a reverberar. Sempre trabalhei com a proposição de atos para o corpo, nos quais a performance...


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"Na pesquisa para Pendular, sublinho uma preocupação em esperar, em não se precipitar diante da primeira imagem, deixando que a duração a faça estabilizar. Para escrever a escuta do que nos cerca é preciso deixar as coisas voltarem a reverberar. Sempre trabalhei com a proposição de atos para o corpo, nos quais a performance ganha propagação por meio de imagens fotográficas ou vídeos. Em contextos e cidades diferentes, percebi que as relações que crio entoam qualquer coisa sonora e que a pausa também pode formular imagens. Nesse sentido, tenho buscado cada vez mais dilatar a espera e demorar no processo. Ao sobrepor diversas temporalidades, passei a compor as imagens da experiência vivida, sublinhando a conversa com o outro. O outro, aqui, é o distante que se torna próximo, que volta a se distanciar: é essa música silenciosa que flui. 

A imagem do corpo sozinho em Pendular convoca uma relação que se desdobra no 'entre'. É sobre esta imagem, que reúne um conjunto de pormenores colecionados no tempo, que o outro pousa como citação. A insistência na duração permite variar os modos de interlocução com a figura múltipla dos diversos encontros sonoros que atravessaram o processo: a composição que acompanha Pendular, diferente a cada montagem, dá a ver esta multiplicidade. Assim se refaz, na obra, a dimensão de partilha e colaboração. A obra é uma passagem que reconhece a presença dos outros sonoramente; que existe e exige uma relação. Organiza-se enquanto peça, sempre parte e sempre inteira, situação imagético-sonora que emerge por conseqüência de um trajeto em que imagem e som são investigados reciprocamente, para caberem um no outro por descompasso e desfasamento. 

Mesmo trabalhando com imagens, procuro uma posição que não exclua o sensível ou o invisível. As imagens que proponho sabem da sua capacidade de ser experiência e não refazer experiência. O processo de realização de Pendular envolveu, assim, uma permanência no deslocamento: habitar os acontecimentos diminutos de cada lugar, colecionando e apagando imagens até encontrar aquela que resta, que fica. Afinal, produzir uma imagem é aceitar a interpelação inevitável das imagens mundanas e cotidianas, fabricadas como verdades pelo senso comum, e, ao mesmo tempo, investigar, em micronegociações, os modos possíveis de infiltração e escape. 

De alguma maneira, a obra sugere uma resistência, uma vez que parece ir na contramão das lógicas atuais econômicas e de trabalho, encontrando seu território de referência em relações subjetivas e íntimas. Desenvolvi um enfretamento silencioso do 'caminho' que nos é imposto e busquei amplificar o que é soterrado. Apropriando-me de acontecimentos sociais e singulares, sem gerar uma hierarquia, e assim componho a imagem. Creio que essa imagem deve ser tomada em uma dimensão além da visual, mas corpórea e também reflexiva, mesmo sem expressar um tema ou assunto identificável de modo explicativo. 

Preferi, na obra, ocupar a imagem, não expondo os outros senão através da sua presença sonora: compreendo que essa é a maneira pela qual entro em participação e esboço uma conversa entre dois modos de estar e ser corpo; corpo-imagem e corpo-som. O que faço com o corpo não é algo que o outro não possa fazer; essa posição é que faz do meu corpo uma imagem, e não um eu em particular. Para mim, o simples olhar é um compartilhar e acho que é permitido sacar uma narrativa, um frame, para levar no bolso. Gosto da ideia de que uma imagem pode ser levada; de que quem a acessa fica sempre com qualquer coisa."


Waléria Américo em depoimento à PLATAFORMA:VB (julho 2015)

 


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Dados técnicos

Pendular, 2014. Da série Projeto amplitude | Vídeo, 5’35”
Waléria Américo

Pendular (2014) | Waléria Américo

Videoinstalação 4'48"

Ações VB
19º Festival
Outras conexões

"Percebo a importância da geografia humana nas pesquisas que desenvolvo, manifesta numa atenção constante aos modos como o corpo em deslocamento se perde e se localiza, numa conversa com o entorno. A biologia me interessa como ideia de vivo, de continuidade; e o existir e o reexistir, para mim, partem de uma consciência pelo corpo ou no encontro com outro corpo. Interessam-me as ciências especialmente quando falham, por ver na falha outro campo possível, algo que ainda desconhecemos."

Anexos

Trecho da dissertação de mestrado em Arte-Multimédia/Performance & Instalação Amplitude de Waléria Américo, Imagem-lugar e imagem-ato no fazer artístico contemporâneo, que trata do projeto Amplitude, no qual o vídeo Pendular está inserido. (Faculdade de Belas Artes - Universidade de Lisboa, 2014). [pt]

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