"Em 2012 fui convidado pela Per.Art para ministrar um workshop sobre cinema aos seus membros. O workshop deu aos participantes informações completas sobre a mecânica de produção de um documentário pessoal. Durante o workshop, tentamos encontrar os equivalentes cinematográficos das ideias e assuntos nos quais eles estavam interessados. Quanto teve oportunidade, o grupo discutiu o funcionamento de sua comunidade, revelando preocupações, paixões e rituais duradouros. Foi assim que conheci um dos artistas do grupo, Goran Gostojić.
Goran possui deficiência mental. Comecei a me encontrar com ele uma vez por semana, sempre com um gravador. Quando pedi que me contasse o que o fazia se sentir vivo, mesmo que por um breve momento, ele me revelou sua intimidade, suas muitas dificuldades cotidianas. Conversamos sobre suas amizades, seus sonhos, seus heróis e sua grande esperança de viver como um cidadão comum, apesar de suas diferenças. Ao revelar detalhes de sua existência cotidiana aos espectadores, Goran nos mostrou que não é diferente de ninguém. O documentário, que começou como uma gravação de áudio, logo tornou-se um retrato do que é preciso para uma pessoa sobreviver em nosso mundo moderno.
Neste trabalho, eu quis reavaliar as tradições do formato documentário, criando um filme experimental que tenta transpor a distinção entre o tema e o produtor. Através da dissociação da narrativa e da integração entre autor e participante, busquei criar um senso de urgência e intimidade. Eu queria eliminar a sensação de expectativa da qual depende a tensão num documentário, criando um formato que unisse inseparavelmente a vontade e a imaginação do cineasta e do participante.
Acredito que, pelo ato da escuta, a descoberta de si acontece ao mesmo tempo que a descoberta do mundo que nos cerca. Este mundo nos molda, mas também pode ser afetado por nós. Estabelecer um equilíbrio entre essas duas esferas é um dos dilemas centrais de meus filmes."
Roberto Santaguida em depoimento à PLATAFORMA:VB (julho 2015)