“Desde 2011 frequento e pesquiso regularmente os acervos do Arquivo Público do Estado de São Paulo, principalmente o jornal carioca Última Hora, criado em 1951 por Samuel Wainer. Em 2013, acabei encontrando por acaso 8 imagens, que compõem o trabalho Dito Escuro. Elas estavam numa pasta classificada como "anti-semita" - "racismo" e...
“Desde 2011 frequento e pesquiso regularmente os acervos do Arquivo Público do Estado de São Paulo, principalmente o jornal carioca Última Hora, criado em 1951 por Samuel Wainer. Em 2013, acabei encontrando por acaso 8 imagens, que compõem o trabalho Dito Escuro. Elas estavam numa pasta classificada como "anti-semita" - "racismo" e estampavam, em destaque, personagens negros. O verso de cada imagem continha anotações dos fotógrafos acerca do contexto e todas estavam ligadas a situações de preconceito racial.
Num primeiro momento não sabia muito bem o que fazer com aquele material e fiquei com os arquivos digitalizados no meu acervo pessoal por um bom tempo. Até que, ao passar por uma situação constrangedora de preconceito, entendi que a melhor resposta que poderia dar a situação era, através de um trabalho, falar sobre esse tipo de acontecimento.
Mesmo com a primeira apresentação de Dito Escuro já marcada, incluí novos elementos ao trabalho, em função de acontecimentos e experiências pessoais que vivi durante esse tempo. Diferente das fotos, que foram encontradas por acaso, pesquisei e fui atrás desse material. Havia lido um texto que citava uma charge do jornal argentino Crítica e, em 2014, quando passei um mês em residência em Buenos Aires, fui à Biblioteca Nacional Argentina em busca desse material. Esse é o primeiro registro da utilização da palavra "macaco", de maneira preconceituosa, para denominar jogadores de futebol negros. Outro material que incorporei ao trabalho foi um artigo escrito por Lima Barreto, publicado na revista Careta, em resposta direta à charge do jornal argentino. Encontrei ele na hemeroteca digital da Biblioteca Nacional Brasileira. Também, poucas semanas antes da abertura da exposição, durante uma partida de futebol, um torcedor atirou uma banana no campo quando o jogador Daniel Alves se preparava para cobrar um escanteio. Esse fato também influenciou o pôster da exposição.
Desde que comecei a trabalhar com essas imagens fiz questão de apresentá-las seguindo uma lógica mais tradicional e fui um pouco criticado por isso. Optei por uma montagem que se assemelha à maneira como as fotografias documentais são expostas nos museus, com molduras elegantes e impecáveis e impressão FineArt profissional. Estava interessado em criar um embate direto com o público de maneira que, aqueles que olham de relance ficam diante de uma exposição de fotos sobre qualquer tema, mas, aqueles que atentam um pouco mais ao material, logo percebem que o que há ali não é um conteúdo "confortável" ou "agradável" de se entrar em contato. Existe essa dicotomia, entre a beleza inerente a tais materiais, essa estética vintage do arquivo, e o conteúdo que aponta para uma problemática atual, conflitante na nossa vida social.
Esse trabalho lida com o silêncio e o esquecimento que existe no campo da arte quando se trata do legado das heranças africanas na nossa história. Sinto que, pouco tempo depois que esse trabalho foi criado, houve um certo boom na abordagem desse assunto por parte de artistas atuantes no eixo Rio - São Paulo. As vezes tenho até a sensacão que há um certo modismo relacionado ao tema. Mesmo assim, estamos longe de resolver, ou melhor, de atenuar o vácuo que existe no nosso meio artístico profissional frente ao que podemos chamar de "produção afro-brasileira".
Com meus trabalhos me interessa ativar e dar corpo a situações, sociopolíticas e afetivas, e a processos históricos recentes que ainda reverberam no nosso presente e que acessamos somente por vias textuais, documentais ou pela oralidade. Busco uma maneira de encontrar possíveis genealogias de mitos, comportamentos e fatos históricos-sociais presentes na nossa vida atual.”
Rafael RG em depoimento à PLATAFORMA:VB (julho 2015)
- Dados técnicos
Dito escuro. Projeto arquivo mestiço, 2013-2014 | Instalação
Rafael RG
Daniel Alves come banana atirada por torcedor racista
Yes, We Have No Bananas (1922) | Louis Prima
Yes! Nós Temos Bananas (Carnaval de 1938) | Almirante
- Ações VB
- 19º Festival
- Outras conexões
"A leitura do livro Nem preto nem branco muito pelo contrário - Cor e raça na sociabilidade brasileira (2013), da antropóloga Lilia Moritz Schwarcz, foi certamente determinante para construção do trabalho. Através dele tive o conhecimento da cartilha dos termos politicamente incorretos que integram o projeto. Sasha Huber, artista suíça descendente de Haitianos também é uma referência para mim."