"Mil vezes um toma uma combinação mínima de elementos do cinema, assumindo também a imagem da imagem – a representação – como parte. O aspecto apoteótico de um estrondo celeste em alto mar é, de certa forma, suavizado pela ausência de som, pela cena pausada em movimento e pelo gesto da apropriação, que descola a imagem da experiência de quem a fotografou.
Relâmpago e cinema chegaram juntos, numa só imagem, enquanto eu preparava a exposição Do Corte, individual realizada em São Paulo, em 2012. Naquele momento, finalizava novos trabalhos, como a videoinstalação Nascente. A noção de corte presente na exposição, trouxe, e segue trazendo, uma atenção aos sentidos que cada matéria, coisa e linguagem informa. Quando eu imaginava o trabalho no espaço, algo na composição não se dava. Era como se as duas grandes partes envolvidas, relâmpago e cinema, com suas diferenças de potencial, precisassem se separar para poderem funcionar juntas. Os outros trabalhos foram exibidos, e o Mil vezes um pediu mais tempo de elaboração.
Nesse começo de pesquisa eu deixava a imaginação mais livre. Pensava, por exemplo, no percurso destes clarões efêmeros, tendo o céu como partida, seguindo em projeções pelas memórias das pessoas, das máquinas, do mundo.
Quando me voltei para os modos de projeção, optando pelo uso do projetor 16mm, aconteceu o ajuste das formas. O feixe de luz já estava dado e, apesar da sua forma contínua, percebi que para criar o pulso não era preciso, necessariamente, uma imagem em movimento, bastava o intervalo entre um fotograma e outro. Decidi usar uma imagem mil vezes, no lugar de mil imagens uma só vez. A sensação foi a de estar colocando uma imagem na linguagem, criando uma entrada e uma saída em um só tempo.
Na espera diante da imagem que se repete – ao percebermos que nenhum outro plano está por vir – a ilusão é desacelerada. O projetor, o som ritmado do motor, a película em looping, o feixe de luz, o espaço até a tela, tudo ganha outro relevo. Cada um destes elementos é tão importante quanto a imagem do relâmpago. Replicada em mil fotogramas, tal imagem parte de uma fotografia do australiano Shane Ocean, colaborador da National Geographic. Cheguei ao Shane com a ajuda do André Baumecker, meu assistente naquele momento. O fotógrafo gostou da proposta e cedeu os direitos de uso da imagem, que era inédita. Tiramos a cor e reenquadramos a fotografia original. A primeira filmagem foi feita em Belo Horizonte, com a colaboração do câmera e fotógrafo Zinho de Araújo. Por uma questão referente a janela usada, refizemos a filmagem em um laboratório. O André também é fotógrafo e foi muito presente em todo o processo até a cópia final."
Pablo Lobato em depoimento à PLATAFORMA:VB (Julho 2015)