“Passei a infância no Cap-Haïtien, cidade ao norte do Haiti. Minha vida sempre será habitada pela lembrança e experiência deste lugar misterioso e cálido. Tenho a impressão de que tudo o que sou decorre dessa luz, desse vento, dessa terra, dessa infância crioula.
Tive uma formação clássica em cinema na Escola Nacional de Cinema da França (Femis). No entanto, desde cedo, meus filmes e desejos não se enquadravam nos “moldes” de narrativa e formato do cinema tradicional. Dirigi uma série de filmes “experimentais” em película e Super 8, muitos deles foram revelados manualmente por mim em um laboratório na periferia de Paris. Fiz também alguns filmes com telefone celular e um deles foi filmado no universo das cerimonias Vodu no Haiti, 4 Portes (2009). A partir desse filme, fui descobrindo e afirmando que é no âmbito das artes plásticas que encontro liberdade e estímulo para desenvolver meu trabalho.
Vertières I II III foi filmado em Cap-Haïtien, na escola de freiras onde estudei e nos arredores da casa onde morei. Vertières é o nome de um bairro da cidade, onde, em 1803, ocorreu a grande batalha que culminou na expulsão do exército de Napoleão do Haiti, primeiro país do mundo a conquistar sua independência frente às potências colonialistas.
A obra foi filmada em super8 e a revelação da película foi feita por mim, à mão. O material foi posteriormente digitalizado e pós produzido em formato digital. Os três filmes que a compõe são apresentados sequencialmente. O primeiro, aborda a relação entre a disciplina, a contenção da religião católica sobre os povos que foram catequisados, versus o desejo de liberdade e transcendência presente nas culturas de espiritualidade anímica em países como o Haiti. O segundo, é uma ode aos espíritos da natureza, onde o homem sente e observa o mundo com ternura e espanto. O terceiro filme se passa numa catedral destruída e uma criança anda sobre os escombros até que sua mãe vem ajudá-la a sair de lá.
A obra funciona na junção dos três filmes, como três palavras que formam uma frase. E o som da música vodu aparece como o símbolo de resistência e emancipação da cultura africana depois de séculos de catequese, massacre e colonização."
Louise Botkay em depoimento à PLATAFORMA:VB (julho 2015)