“Zoo lida com fricções e questões filosóficas. Propõe um embaralhando de posições e fronteiras que as vezes se engessam. O deslocamento do animal do seu habitat natural proporciona isso, um curto circuito na realidade. Dizemos: esse é o lugar do homem, aquele é o lugar do animal. Somos radicalmente opostos por isso. Mas por que é assim? Não somos nós também animais? O que nos aproxima? O que há deles em nós? O animal também não carrega muito do mistério humano?
A questão do animal e, mais especificamente, da animalidade é algo que interessa aos artistas, escritores e filósofos há bastante tempo. Portanto não é uma questão particular, é um problema filosófico. Temos Kafka, Bataille, Deleuze, Coetzee, Derrida, Guimarães Rosa e tantos outros tratando disso. O que me interessava era justamente trazer o animal, no caso um animal selvagem, silvestre, para dentro de um ambiente doméstico, onde potencialmente estaríamos mais a vontade enquanto humanos. Isso, para voltar a discutir, através da imagem e do ato que a origina, onde nos localizamos enquanto homens e animais.
Essa é a primeira vez que trabalho com uma estrutura maior, com uma equipe. Com pesquisa, produção e tal. Mas acho que muitas das questões que estão em Zoo já apareciam em outros trabalhos como Metamorfose (2012), Vade Retro (2013) e Redemunho (2006). A forma operacional que é bem diferente.
Foi necessário um trabalho de pesquisa e produção que nos levou a alguns criatórios. A maioria das fotografias foram tiradas em Minas Gerais e a maior dificuldade foi encontrar um animal que desse para deslocar para uma locação e que pudesse ser fotografado em segurança. E essa questão independe da espécie, é caso a caso, porque as vezes o macaco daqui dá para fotografar e o de outro lugar não. Quem conhece melhor o animal são os criadores, por isso esse é um trabalho feito com a ajuda deles.
Claro que há sempre uma boa dose de risco envolvida e isso é importante para o trabalho. Por mais que esses animais tenham algum contato com humanos, eles não vivem dentro de casas. Se esse deslocamento muda completamente o eixo do nosso instinto, isso também se aplica ao animal. O comportamento de ambos, homem e animal, nessa situação, é imprevisível.
O trabalho funciona então como o testemunho de um ato. Para mim é muito importante que estejamos presentes eu e o animal, um de frente para o outro, se interrogando em silêncio, como quem diz: e agora? Estar face a face com um animal nos faz retornar a algo primitivo, ancestral e, talvez, quem sabe, por um breve instante nos transformamos em uma onça, um tatu, um tamanduá.”
João Castilho em depoimento à PLATAFORMA:VB (julho 2015)