"Meu trabalho de investigação foi, principalmente, explorar como nossa poética e nossa política, como chilenos e habitantes de um mundo se relacionam com a paisagem, a geografia e, em particular, o oceano Pacífico. Os aspectos mais importantes do meu trabalho são poéticos e políticos, a relação entre eles e como o espectador se relaciona com esses dois lugares…
Estamos sufocados pela realidade: nesse sentido, o que me interessa é chegar a uma espécie de trato entre a realidade e a ficção, simplesmente como faz o cinema e/ou o documentário. Mas eu não faço filmes, apenas os uso como uma forma a mais de expressão de milhares de elementos que me interessam - narrativos, plásticos, políticos, formais, etc. Me interessa encontrar formas narrativas mais livres, que me dão a possibilidade de trabalhar como elementos principais os imaginários e o espaço, já que o fato de fazer filmes para galerias ou para o museu implica saber claramente que você, como espectador, não está parado numa cadeira olhando algo; que o corpo faz parte do momento em que se enfrenta uma obra e isso cria uma relação completamente diferente entre você como espectador e a imagem.
Nasci na ditadura e vivi a volta à democracia, foi uma grande mudança na minha vida, assim como para muitos da minha geração. Para mim, a ditadura era normal, não tinha nada de ruim… porque era o lugar onde aprendi a andar, a subir em árvores, a viver minha infância. Era escura e cinzenta, mas era minha realidade. E quando você vive num país cinza desde que nasce, sem conhecer outro, na realidade você vê os dois tons diferentes de cinza. A mudança se deu quando voltou a democracia e muitos de nós nos demos conta de que algo errado havia nisso tudo. Algo obscuro cheio de silêncio, e isso até hoje faz parte do cinza de Santiago e da realidade do Chile, de suas belas montanhas e seu seco deserto, do oceano Pacífico que, para muitos, nada tem de pacífico. Nossa geografía e nossa política, nossa maneira de esquecer também, o Chile e muitos lugares do mundo substituem a cultura por algo assim como “virar a página e começar do zero”, mas a história não se pode apagar, é muito perigoso isso.
Uma década após a Comissão da Verdade e Reconciliação, um “Grupo de Diálogo” foi criado no Chile; por meio deste grupo, o estado democrático chileno voltou a participar ativamente no processo de negociação coletiva de nossa história política recente.
O Grupo tinha duas missões (relativamente) explícitas. A primeira era tentar chegar a um meio-termo entre diferentes interpretações da história: teria o golpe militar sido um “resgate” da sociedade chilena, como as Forças Armadas gostavam de afirmar, ou uma violenta destruição da ordem institucional democrática? Tratou-se de uma “guerra contra um inimigo interno”, o que justificaria os atos de violência, ou da implementação de um estado de terrorismo que violou nossos direitos humanos?
O segundo objetivo era obter informações sobre o que aconteceu com as pessoas que foram presas e desapareceram (oficialmente cerca de mil casos). Estes desaparecimentos pairavam como uma nuvem sobre a imaginação coletiva nacional. O exército assumiu as brutalidades do passado: primeiramente, houve uma admissão real de culpa, mas o aspecto mais notável dessa confissão foi a insistência do Exército na inevitabilidade do desaparecimento dos corpos. A frase "lançado ao mar" estava escrita ao lado da maioria dos nomes da lista (que estava incompleta). Esta é a imagem mais recente que o Exército oferece para se chegar a uma visão em comum da história: o mar chileno – o Oceano Pacífico.
Penso que nós, artistas, somos como formigas: apesar de sermos quase “invisíveis” na estrutura social, temos a virtude de sermos como pequenos insetos que podem chegar a introduzir importantes problemáticas e questionamentos de envergadura cultural, política, econômica, estética, entre outras, em estratos de poder social, político e econômico muito altos. Podemos influenciar tanto em nosso meio, quanto também em outros, como na televisão que, de uma forma ou de outra, está em crise e constitui um meio precário e desaproveitado em termos de conteúdo e qualidade de programação, por exemplo."
Enrique Ramírez em depoimento à PLATAFORMA:VB (julho 2015)