It’s a perpetual way

2014
Daniel Frota
publicado em 21.09.2015
última atualização 21.09.2015

It’s a Perpetual Way é uma instalação sonora a partir de um trecho da música It’s a Long Way de Caetano Veloso, lançada no álbum ‘Transa’ de 1972. O álbum é carregado de conotações políticas, que se devem ao fato de ter sido lançado durante o exílio político do...


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It’s a Perpetual Way é uma instalação sonora a partir de um trecho da música It’s a Long Way de Caetano Veloso, lançada no álbum ‘Transa’ de 1972. O álbum é carregado de conotações políticas, que se devem ao fato de ter sido lançado durante o exílio político do músico em Londres. As recorrentes citações e releituras de antigas músicas populares brasileiras, além da combinação de português e inglês são manifestações de sua posição política na época. 

Revisitar esse material recontextualizando-o em um circuito de arte contemporânea é uma maneira de pôr em perspectiva seu significado político original. Minha atenção se voltou sobre esta canção, por conta dos recursos formais usados tanto na língua portuguesa como inglesa. De similar entre o músico e eu, só mesmo o fato de ambos estarem fora do país de origem—por circunstâncias incomparáveis, diga-se de passagem. Talvez, por ter que pensar e se expressar na língua do outro, tais manobras linguísticas acabam sendo usadas como compensações à falta de intimidade com a língua estrangeira. 

O trabalho surgiu de uma pesquisa sobre a utilização de recursos verbais que ressaltam a materialidade da língua, através de seus aspectos sonoros e tipográficos. Tais recursos, auto-referentes, demonstram a consciência de que toda linguagem se faz, necessariamente, através de um corpo e, ao adquirir seu estado corpóreo, se torna suscetível aos limites, distorções, imprecisões e contingências de tal condição. 

Evocando o poeta Haroldo de Campos, a palavra que é consciente de si considera os aspectos de sua ‘concreção’ como condição fundamental de sua veiculação e distribuição. O legado deixado pelos poetas concretos é justamente esse: a articulação da consciência corporal da palavra. 

Em It’s a Perpetual Way, a repetição se apresenta como principal recurso linguístico. Ao aumentar a duração da palavra ‘long’, repetindo sua primeira sílaba sucessivamente, forma e significado coincidem e se achatam. O trabalho consiste em um loop que contém essa repetição durante um compasso inteiro da música, retardando infinitamente o final da palavra. 

O título da obra remete tanto ao título original da canção quanto ao antigo Paradoxo de Zeno: se para percorrer a distância de um ponto A até um ponto B temos primeiro que chegar até um ponto C, que se encontra exatamente no meio do caminho, e se para chegar até o ponto C temos primeiro que chegar em um ponto D que se encontra exatamente entre A e C, e se para chegar até o ponto D, existe primeiro um ponto E e assim por diante, nunca chegaremos ao nosso destino. O caminho perpétuo descrito no trabalho se torna imagem de um processo mais abrangente que é também contínuo e infindável sobre a impossibilidade de se chegar à um significado final e absoluto através da linguagem—experienciamos apenas um pedaço do loop.”

Daniel Frota em depoimento à PLATAFORMA:VB (julho 2015)


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Dados técnicos

It’s a Perpetual Way, 2014 | Peça sonora
Daniel Frota

Caetano Veloso (1971) | Maria Bethânia

Going to the market - At sunrise a cry was heard | Guy de Cointet

GALAXIAS: 1ª parte: E começo aqui | Haroldo de Campos

Ações VB
19º Festival
Outras conexões

“A tomada de consciência nos anos 60 em relação à impossibilidade de transparência da linguagem serve como pano de fundo para minha pesquisa. Os trabalhos do Mel Bochner e as construções semânticas presentes nos diálogos e objetos das peças de Guy de Cointet e Robert Wilhite são referências importantes.”

“Na mesma época o conceito de ‘limite’ vindo da corrente pós-estruturalista enquadra tais construções da linguagem e vem para negar a existência de um sentido universal e absoluto, oficializando a coexistência de múltiplas leituras. O que acaba tocando em questões mais abrangentes como limite do conhecimento e questões relacionadas a realidade linguística. Benjamin Lee Whorf propôs que se todo pensamento humano depende de linguagem, logo as categorias e estruturas de nossa língua são também responsáveis por moldar os parâmetros sociais e culturais de nossa realidade. Nesse sentido, minha prática procura explorar as influências entre nossos sistemas de comunicação e nosso aparato sensorial, nossas estruturas linguísticas e nossos sentidos.”

Anexos

Da poesia concreta a Galáxias: Os procedimentos da composição constelar na poesia de Haroldo de Campos, por Lívia Fernanda Morales (Monografia, Curso de Letras,
Universidade Federal do Paraná, 2008) [pt]

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