Forma Livre + Linha

2013
Clara Ianni
publicado em 21.09.2015
última atualização 21.09.2015

“Ética e estética, e sua convergência, sempre nortearam minha pesquisa. Há, por um lado, uma preocupação de elaborar esteticamente um discurso que busca ser crítico e auto-reflexivo em relação ao repertório estético das artes. Neste sentido, interessa-me revisitar e responder à formas estéticas que...


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“Ética e estética, e sua convergência, sempre nortearam minha pesquisa. Há, por um lado, uma preocupação de elaborar esteticamente um discurso que busca ser crítico e auto-reflexivo em relação ao repertório estético das artes. Neste sentido, interessa-me revisitar e responder à formas estéticas que se institucionalizaram através dos tempos, compreendendo-as como expressões ideológicas e políticas de um determinado contexto. Por outro lado, há também uma preocupação ética – como essas “formas estéticas” são construídas e mantidas socialmente, e como operam suas estruturas de circulação. 

Forma Livre faz parte dessas indagações. O vídeo é uma reflexão sobre como o discurso da modernidade no Brasil, com suas formas arquiteturais e artísticas ousadas, manifesto na construção de Brasília, conseguiu não só coexistir, mas ser alimentado por relações sociais e políticas extremamente arcaicas fundamentadas na nossa experiência colonial. Essa contradição é o ponto central do trabalho. O movimento de opostos – modernização e passado arcaico, que, apesar de aparentemente opostos, não se anulam -, é a fricção que moveu a produção do trabalho.
 
Linha, uma série de gravuras, busca pensar a forma, neste caso a linha, para além de suas concepções puramente plásticas. O trabalho procura investigar a linha como construção política que condensa e concretiza estruturas de poder e dominação, revelando-se como produto de relações sociais e econômicas. Passando pelos grandes momentos da história do país, desde a divisão da América do Sul entre os portugueses e espanhóis no período da colonização, até a construção da Transamazônica durante a ditadura militar, o trabalho se vale dessa estrutura para pensar a reorganização política do território nacional.

Acho que esses trabalhos são importantes na minha trajetória pois desenvolvem de maneira mais profunda algumas questões sobre as quais já vinha me debruçando - como as relações entre arte e política -, e apontam para um novo horizonte de reflexão. Eles representam um momento no qual a necessidade de situar historicamente os questionamentos suscitados pelas obras ganha força, ao passo que os trabalhos anteriores tinham uma crítica mais categórica e ampla. 

Quando digo “situar historicamente” não me refiro a uma “história linear”, baseada na noção de causalidade ou em uma falsa ideia de progresso, mas em uma que se constrói retroativamente a partir das urgências do presente. Neste sentido, o contexto social, cultural e político interferem de maneira direta no meu trabalho – afinal, as formas nunca estão apartadas do entorno que as circunda. Tanto o contexto de produção, como de circulação e recepção. Penso que o trabalho do artista é, em larga medida, questionar de maneira reflexiva a si e ao mundo. É olhar sempre com estranheza as coisas que o circundam afim de problematizar sua normalização, desvelando criticamente suas estruturas ideológicas de sustentação.  E é justamente essa capacidade reflexiva, de interrupção do fluxo, que o permite disputar politicamente o simbólico através da articulação crítica entre as formas e os discursos, no sentido da desnaturalização daquilo que já se conhece.

Especificamente em Forma Livre, a atual situação brasileira foi um fator crucial para a elaboração do trabalho. Os ânimos neodesenvolvimentistas que se espalharam pelos últimos anos no Brasil  permitiram  que olhasse para os anos 50/60 da história nacional e encontrasse muitos paralelos. A euforia pelo futuro, pelo desenvolvimento e progresso econômico, foram muito semelhantes nesses dois momentos. O modelo de desenvolvimento nacional também. 
 
O trabalho então lida com narrativas contemporâneas e históricas. Nessa tentativa de construir uma história à contrapelo, para usar o termo de Benjamin, recorro à uma certa acepção da história como constructo, como plasticidade, passível de ser modelada pelo sujeito que a enuncia. Nesse sentido, é uma ficção documental, pois trata de algo que ocorreu, mas é auto-consciente de seus próprios processos construtivos.
 
A forma é o veículo que possibilita uma fruição crítica do espectador. É nesse lugar onde as contradições e problematizações podem se materializar. Busco formas que carreguem um caráter contraditório, quer dizer, uma certa linguagem e, ao mesmo tempo sua negação, ou oposição. Buscá-las, ao meu ver, é uma maneira de criar fendas que fazem com que o público surja para se posicionar criticamente com relação ao trabalho, e não que eu, como autora, entregue uma sentença conclusiva.”


Clara Ianni em depoimento à PLATAFORMA:VB (julho 2015)


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Dados técnicos

Forma livre, 2013 | Videoinstalação
Linha, 2013 | Serigrafia
Clara Ianni 

Ações VB
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Quem não luta está morto!
Outras conexões

“A pesquisa para a realização de Forma Livre se deu a partir de diversas fontes, como livros, teses acadêmicas, entrevistas, pesquisa em arquivos de jornais e arquivos fotográficos e audiovisuais que documentavam a construção de Brasília.
Algumas delas:
Brasília: O outro lado da utopia (1956-1960) (1982), de Hermes Aquino Teixeira - Dissertação para obtenção de grau de Mestre em História - Universidade de Brasília - Datilografado. 
No tempo da GEB (1956-1960): Trabalho e violência na construção de Brasília. Thesaurus, 1996. 

Uma grande referência é Antígona, de Sófocles, uma tragédia grega escrita em 442 AC. Antígona é a figura que luta contra as interdições do Rei de Tebas para poder enterrar seu irmão e prestá-lo um ritual fúnebre apropriado. Apesar da distância que nos separa da Grécia de Sófocles, o texto é tremendo e acho que tem uma força política atualíssima. Lida com questões que me interessam muito, como o direito à História, à memória, ao luto e a legitimidade das instituições e das representações. Para pensar experiências periféricas, como o caso brasileiro, que não necessariamente se adequam aos discursos hegemônicos ocidentais, essa é uma obra fundamental. Ela é uma grande influência pra minha pesquisa como um todo, não somente para Forma Livre.
 
Pra além disso, alguns artistas e videomakers/cineastas me interessam pela sua dimensão crítica e auto-reflexiva como Godard, Harun Farocki, Andrea Fraser, Hans Haacke, Artur Zmijewski, Hito Steyerl, entre outros.

Também tenho interesse no campo da psicanálise de Freud e Lacan, por nela encontrar caminhos e instrumentos de reflexão e intervenção em processos sociais mais amplos.”

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