“A Idade da Pedra surge à partir de uma cosmologia textual e imagética desenhada entre a geo-ontologia e a ucronia, entre a matéria e a história, entre a utopia e seu infalível potencial distópico. Viagem ao planalto central aonde a epopéia Capital se fez, o filme é uma estratigrafia desta mesma epopéia. Como diz Clarice Lispector em seu texto sobre Brasília, 'o tempo no futuro já passou', e aqui o começo assinala um fim e o fim um re-começo. A Idade rejeita a cronologia linear e insiste em um movimento entre tempo geológico e histórico, mítico e prosaico.
Em A Idade, Brasília torna-se monumento-Frankenstein de um futuro arcaico — algo que constrói-se ao se desfazer. Torna-se o todo do qual retiro apenas uma parte, uma situação à ser des-feita. O filme busca substituir a utopia pela entropia, o rígido pelo poroso, a plenitude pela parcialidade.
Nesse processo, busco uma equivalência entre o homem e seu ambiente, entre a palavra-dita e a palavra-plano, entre o artifício e o natural — binaridades que buscam uma dissolução. O filme propõe uma reflexão premonitória sobre as questões ligadas à Antropocena, nominação geológica aonde o homem se reconhece como força transformadora da superfície terrestre. Diz-se que a Antropocena poderia ser medida a partir da chegada de Colombo nas Américas, do começo da aceleração capitalista, da hyper-exploração de recursos e da massificação de mortes. A Idade narra então uma versão fictícia desta epopéia delirante e espantosa do trabalho exploratório, colonial e missionário realizado em versões múltiplas e terríveis na história das Américas.
O filme busca deformar a história para revelar o que ela esconde. Os cadernos de Luis Cruls, que registram a viagem exploratória ao local que viria a ser Brasília, transformam-se em vestígios pré-históricos, o explorador-narrador agora ausente não tem mais palavras, apenas o olhar — aprender a ver deve ser o verdadeiro trabalho do explorador. O texto de Lispector, Brasília, se transveste em planos sequências, em tempo suspenso, em palavras ditas por uma mestiça heróica que quebra a visão etnográfica do filme ao se confrontar à câmera. Quem a Terra pensa que é?, de Deleuze e Guattari, se torna uma ação, uma instrução cinematográfica. A câmera busca esculpir frases geológicas, percorre as estratas naturais e artificiais desta trajetória exploratória acreditando que todas as coisas falam — a terra fala ao homem, réplica furiosa.
A Idade anuncia o começo de uma reflexão sobre a crise terrestre. Ele carrega a marca de um mundo pós-fim ou pré-começo. O filme busca ler na superfície terrestre sua história, ligando o homem à natureza, o antropos à ecologia e ainda um desejo de horizontalizar os elementos humanos e o não-humanos face a iminência de um deserto ecológico. Ele foi concluído em 2013, momento em que se re-ativaram de forma retumbante os protestos no Brasil. Assim, toda a reflexão inerente ao filme — sobre o estado piramidal no país, sobre a rigidez sedutora de um sistema estratificado — parecia ter se transformado em uma 'revolução molecular'. As imagens foram precisas: corpos espalhados sob os monumentos brancos e límpidos da Capital, fogo no Itamaraty, rostos mascarados, a confirmação do estado militar brasileiro, a congruência entre as linhas modernas e as linhas fascistas. A Idade da Pedra me pareceu ser uma premonição, uma espécie de pesadelo anacrônico, um delírio intuitivo de que algo estava podre no reino da (dis)utopia.”
Ana Vaz em depoimento a PLATAFORMA:VB (julho 2015)