Tocaia

2013
Aline X, Gustavo Jardim
publicado em 03.10.2015
última atualização 08.10.2015

"Dizem que a tocaia é uma invenção dos índios tupis, significa a pequena casa para se esperar a caça. Foi no norte de Minas Gerais, quase na divisa com a Bahia, que a imagem fundamental para esta videoinstalação foi descoberta. Era o pasto de uma fazenda, na beira de uma estrada de terra. De um lado da cerca, uma equipe de filmagem,...


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"Dizem que a tocaia é uma invenção dos índios tupis, significa a pequena casa para se esperar a caça. Foi no norte de Minas Gerais, quase na divisa com a Bahia, que a imagem fundamental para esta videoinstalação foi descoberta. Era o pasto de uma fazenda, na beira de uma estrada de terra. De um lado da cerca, uma equipe de filmagem, câmera e som direto posicionados, encarando um rebanho de bois, que ficava do outro lado da cerca. Era um fim de tarde e, a cada segundo que passava, ficava mais mistério o ir e vir daqueles seres. O movimento hipnótico, a repetição natural, um loop carregado de suspense, diferença e absurdo. Esta emboscada resulta em Tocaia, registro daquele momento suis generis.

A pesquisa para a realização deste trabalho surgiu a partir de uma caça imaginária criada entre a câmera e o animal, método de abordagem que adotamos durante as gravações de O Bagre Africano de Ataléia, média-metragem realizado entre 2009 e 2014. O filme nos guiou para uma dimensão de paridade entre ficção e natureza, apontou para a caça de algo como um espelho aberto, entre o reflexo e o outro/animal, baseado em narrativas e vivências locais dos moradores da pequena cidade. 

Ao nos relacionar com o animal que nos vê, impossível não lembrar de Jaques Derrida, em O animal que persigo é o animal que logo sou. A natureza nos ronda e atrai com o magnetismo de um buraco negro, do qual não conhecemos a explicação. Existe algo que nos coloca no centro de uma mística, que, por mais que tentemos escapar, nos suga fisicamente. Partilhamos a concepção de que fazer um filme está relacionado com a vivência de uma hipótese imagética do mundo. Estamos sujeitos às elipses misteriosas que alimentam o espírito criativo, preparando o olhar para o que nunca foi imaginado, vivendo o risco de uma abordagem livre para experimentar.

Durante as filmagens no norte do Minas nos encantamos com as narrativas orais dos habitantes de Ataléia e as exuberâncias naturais da região. Viajávamos com nossa equipe à deriva, em uma conquista do inútil, do intangível, citando Werner Herzog, referência de filmes de expedição. Havia um roteiro de intenções iniciais com cenas com a coruja mãe da lua, muito comum na região, ou com uma cobra que nos encarava de frente. As cobras capturadas são colecionadas nos bares do interior de Minas e também estão nas narrativas de alguns povos indígenas do interior do Estado, como os Maxakali, que adoecem ao ser espiados pelas víboras sem as perceber. 

O acontecimento registrado no trabalho não foi roteirizado ou pré-produzido e sim descoberto no momento de sua aparição. A câmera presente como mediadora do transe entre homem e natureza, o plano sequência apresentando de forma sublime a relação entre observador e observado. Com o intuito de partilhar a experiência desse momento de encontro entre homem e animal, do que se passa de misterioso e indizível entre o aparato cinematográfico e a realidade que confronta, optamos por um formato instalativo para este trabalho."


Aline X e Gustavo Jardim em depoimento à PLATAFORMA:VB (julho 2015)


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Dados técnicos

Tocaia, 2014 | Vídeo, 3’
Aline X | Gustavo Jardim

Uncle Boonmee Who Can Recall His Past Lives (2010) | Apichatpong Weerasethakul

Referencia para os artistas
 

O Bagre Africano de Ataléia (2009-2014) | Aline X e Gustavo Jardim

Referência para Tocaia
 

Ações VB
19º Festival
São tempos sombrios para os sonhadores
Outras conexões

"Tocaia dá sequência à conceitos artísticos vistos em outros trabalhos nossos, como o interesse pela experimentação com o gênero cinematográfico documental e o esgarçamento dos limites da imagem/realidade e de seus contextos de exibição, visando a participação, o sensório, a intensificação da fruição audiovisual. 

O animal é um elemento problematizador presente em diversas obras literárias de referência.  Se relacionam direta ou indiretamente com este trabalho, o animal imaginado de Jorge Luis Borges, o animal científico lírico de Herman Melville, o filosófico de Derrida, o político de Graciliano Ramos, o humano de Saramago, o mítico macunaímico brasileiro e o animal pesadelo do uruguaio Conde de Lautréamont.

Também temos interesse pela vídeo arte, o cinema expandido e as instalações audiovisuais: o cinema de Herzog, Kubelka, Pelechian, Béla Tarr, Apichatpong, Peixoto, Tonacci e Sganzerla. O Quasi-cinema de Oiticica, os experimentos em vídeo de Paik, Fluxus e Gutai, os ambientes instalativos de Bruce Naumann, Bill Viola, Anthony McCall. Autores propositadamente distraídos com os limites, que experimentam as funções sociais do artista, público, crítico e agente cultural. Todas essas referências dos campos teóricos e práticos se misturam ao combustível propulsor que move nosso trabalho. 

Como método, buscamos a colaboração, práticas horizontais e interdisciplinares. Desde a fase de pesquisa, tentamos estabelecer um diálogo com todos que contribuíram com a criação do filme. Experimental no sentido da prática de sua criação, Tocaia é resultado direto do envolvimento dos artistas que o realizaram: a direção de fotografia de Lucas Barbi, a colorização de imagem realizada por Lucas Campolina, e a trilha sonora de O Grivo.

Trabalhamos em dupla, individualmente e em colaboração com outros grupos e processos artísticos transdisciplinares que promovem interseções com projetos de formação e pesquisa como REPIA (Residência de Pesquisa Interdisciplinar Avançada) e MarginaliaLAB (Laboratório de Arte e Tecnologia). Em Belo Horizonte, Aline é diretora da OITOOITO, pesquisa e produção artística e audiovisual, e Gustavo é fundador da DuRolo Filmes.”

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