In This House

2004
Akram Zaatari
publicado em 14.08.2014
última atualização 28.08.2014

“Em 2002 comecei a pesquisar documentos referentes à invasão de Israel ao Líbano em 1982. Tomei notas em forma de diário e comecei a tirar fotos; meu interesse também era ver como as pessoas registraram suas experiências. Parte deste interesse diz respeito à tecnologia da comunicação. Foi assim que conheci o personagem...


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“Em 2002 comecei a pesquisar documentos referentes à invasão de Israel ao Líbano em 1982. Tomei notas em forma de diário e comecei a tirar fotos; meu interesse também era ver como as pessoas registraram suas experiências. Parte deste interesse diz respeito à tecnologia da comunicação. Foi assim que conheci o personagem principal de In This House, Ali Hashisho, um ex-militante da Resistência Libanesa.

O exército israelense invadiu o Líbano em duas ocasiões e ocupou 12% de seu território de 1978 até o ano 2000. As invasões causaram grandes danos, mas também levaram à formação de uma resistência armada libanesa. O conflito deflagrado pela Organização para a Libertação da Palestina em 1970 foi expulso do Líbano pela invasão de 1982 e transformou-se numa Resistência Libanesa, secular num primeiro momento e em seguida islâmica, com o Hezbollah, após a assinatura do acordo de Taef em 1991. O acordo impôs o desarmamento de todos os partidos libaneses exceto o Hezbollah, que tornou-se o único partido legítimo da resistência armada.

Ain el Mir, a aldeia mostrada no vídeo, foi ocupada pelo exército israelense em 1982. Os israelenses se retiraram de Saida e de outras regiões do sul em 1985, mas se instalaram nas colinas em frente à cidade. Porém, ironicamente, após a retirada dos israelenses a aldeia ficou perigosa, pois passou a ser o front. Assim, toda a população foi embora e a Resistência Libanesa usou algumas das casas como bases militares. Isto ocorreu num período em que o poderio da União Soviética na região diminuía, frente à crescente influência iraniana. Foi então que Ali enterrou uma carta aos proprietários, no jardim da casa ocupada.

In This House começou na forma de um documentário em cinco telas, produzido como uma videoinstalação. Eu queria mostrar várias coisas acontecendo ao mesmo tempo, então era inevitável dividir a tela. Uma das telas mostrava a escavação em busca da carta, outra mostrava as entrevistas e outra, os documentos.

Outro fato importante é que, assim como muitas famílias cristãs, os donos da casa se refugiaram mais ao sul, em Marj-e-ayoun, que permanecera sob ocupação de Israel. A família voltou para sua aldeia e sua casa em 1992 e, assim como muitas que haviam vivido na área sob ocupação israelense, foi interrogada por uma possível colaboração com o inimigo, até que suas fichas fossem limpas. Por este motivo, toda a região permaneceu sob vigilância de serviços de inteligência durante vários anos.

A família não queria ser entrevistada. Eles estavam paranoicos e acreditavam que o fato de serem filmados poderia colocá-los em perigo. Os agentes da inteligência presentes no local da escavação também não queriam ser filmados. Por isso, filmei a escavação por duas horas e meia e, quando um membro da inteligência do exército começava a cavar, eu desligava a câmera. Naquele momento, ainda não tinha certeza se a carta seria encontrada. Quando a encontramos, alguns minutos depois, liguei minha câmera de novo, e este é o único momento do filme em que a imagem ocupa a tela inteira.

A carta foi resultado do período e das condições em que foi escrita. Eu a vejo como um ato de deixar um rastro. É exatamente como tirar uma foto, como gravar um som. É um ato que tem a ver com congelar um momento no tempo; uma cápsula do tempo.

Este filme marca uma guinada significativa em meu trabalho, porque foi aqui que ele tornou-se performático. Sempre digo que esta obra é uma performance, e o filme é o resultado da presença ativa da câmera comigo. A performance é uma intervenção na vida daquela família. Depois de minha visita, eles ficaram sabendo de coisas que não sabiam sobre sua casa e seu passado. O trabalho fez com que a carta de Ali chegasse aos seus destinatários anos depois, e é resultado da minha dedicação ao documentário, da minha curiosidade pessoal e do meu interesse em arqueologia.

Em todo caso, o interesse do filme reside em observar com um microscópio o funcionamento de uma invasão e uma retirada, isto é, fornecer um relato de um antigo front que consiga comunicar a complexidade de uma situação política e geográfica, ainda que doze anos após o retorno da família deslocada à sua casa e aldeia. O objetivo é voltar o olhar para a geografia do medo e para as fronteiras latentes naquela região. Assim, trata-se também de um trabalho sobre a arqueologia das invasões."

Editado em conjunto com o artista a partir de entrevista publicada na Eyeline Magazine (agosto 2014)


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Dados técnicos

In This House (2004) | Akram Zaatari

Vídeo | 30'19"
 

Depoimento Akram Zaatari (2004) | VCA

Trecho do documentário Um Olhar Sobre os Olhares de Akram Zaatari – parte da série de produções VCAs. O artista libanês conversa com o diretor sobre a guerra civil no Líbano e seus primeiros registros, quando mantinha um diário escrito e fotografava ataques aéreos da varanda de sua casa

 

Depoimento Akram Zaatari | 11º Festival

Eduardo de Jesus, Marcio Harum | Memórias Inapagáveis, 2014

Marcio Harum e Eduardo de Jesus traçam um panorama da participação de artistas libaneses nas edições do Festival, dando ênfase às obras de Akram Zaatari, Rabih Mroué e Walid Raad

Trailer | Olhar sobre os Olhares de Akram Zaatari (2004) | Alex Gabassi

Este vídeo, que integra a série Videobrasil Coleção de Autores, analisa e comenta a produção do libanês Akram Zaatari

Ações VB
15º Festival
Memórias Inapagáveis
Outras conexões

"Desenvolvi minha dedicação ao trabalho de campo e meu interesse por arqueologia enquanto construía a coleção da Arab Image Foundation e não vejo muitas abordagens parecidas com a minha em meu entorno. Porém, em se tratando da geração de artistas libaneses da qual faço parte, compartilhamos a questão da história e o questionamento de documentos e narrativas. Walid Raad me apoiou e meu inspirou bastante durante a criação deste trabalho. Nós trabalhamos juntos em Mapping Sitting enquanto eu desenvolvia In This House e os caminhos que trilhamos nos inspiraram mutuamente com o passar dos anos.

Eu também compartilho atitudes e ferramentas com lamia Joreige."

Anexos

A arte da reconstrução (2004), entrevista concedida a Helio Hara para o Videobrasil. [pt]

Video registra memória libanesa, reportagem de Adriana Ferreira (Folha de S.Paulo, Set. 2005). [pt]

Íntegra do Acordo de Taef. [eng]

Resenha do livro Pobre Nação (1990), do jornalista inglês Robert Fisk, que discute as guerras no Líbano no século XX. [pt]

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