Contestado, a Guerra Desconhecida

1985
Enio Staub
publicado em 08.08.2014
última atualização 28.08.2014

"Na época da realização do filme estávamos na redemocratização, depois do fim da ditadura, quando os movimentos sociais no campo foram muito reprimidos. Aqui em Santa Catarina existia uma grande necessidade de resgatar a memória do estado, e um dos principais acontecimentos históricos fora a Guerra do Contestado, um fato desconhecido...


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"Na época da realização do filme estávamos na redemocratização, depois do fim da ditadura, quando os movimentos sociais no campo foram muito reprimidos. Aqui em Santa Catarina existia uma grande necessidade de resgatar a memória do estado, e um dos principais acontecimentos históricos fora a Guerra do Contestado, um fato desconhecido tanto no estado quanto em nível nacional.

O trabalho começou com a pesquisa de fotos históricas, a partir do acervo do Claro Janssen, um fotógrafo sueco que imigrara para o Brasil, e dos filmes da companhia Southern Brazil Lumber & Colonization, que estavam na Cinemateca de Curitiba. Mergulhamos então, eu e a equipe, no porquê da Guerra, tratando principalmente da exploração do homem da terra e da intervenção do capital internacional no Brasil.

Fizemos também um levantamento na antiga sede da companhia Lumber, onde encontramos uma quantidade enorme de documentos abandonados. Via-se que fora feito um trabalho detalhado de exploração do território, pois a companhia abria a estrada de ferro São Paulo–Rio Grande e tinha 30 km ao longo  da ferrovia para ocupar, como se dizia, com a força do ‘embaixador’ Comblain, uma marca de espingarda.

Na época da conclusão da pesquisa documental, o movimento de terra já estava crescendo, e as primeiras cenas do documentário foram colhidas no acampamento de sem-terras na região do Chapecó. Foi uma maneira de demonstrar que aquilo que parecia somente histórico era um tema atual, e até hoje.

A pesquisa de campo foi feita a partir de fontes orais. Viajamos pelo interior, rodando em torno de 12 mil km. Nos demos conta que teríamos muita dificuldade de encontrar pessoas que tivessem realmente participado, uma vez que filmamos em 1985 e a guerra fora em 1916. Contamos com a longevidade e fundamentalmente com a memória dos depoentes. Foi impressionante porque as pessoas indicavam umas às outras, parecia que tinha uma coisa reservada em que um sabia onde o outro estava.

Um dos depoimentos mais fortes é do Benjamim Scloss, que tinha sido atirador de elite do exército. Ele conta que atirava na cabeça do ‘caboclo’ usando uma espingarda com mira telescópica, e então reflete sobre a tristeza e a raiva que sentiu ao ver que estava matando gente humilde, explorada pelos governantes da época. Ficara marcada nele uma leitura ideológica da guerra, pois apesar de ter sido atirador de elite conseguia fazer toda uma reflexão autocrítica da sua posição e uma profunda reflexão política.

Me parece que a relação entre a terra e a sociedade é uma questão fundamental. Quando se rompe com violência o vínculo entre o indivíduo e a terra, se asfixia as pessoas e elas têm que ir embora do seu lugar. Quando vêm para a cidade, o grande conhecimento que elas têm, da agricultura, é irrelevante. É dito ao indivíduo que o que ele sabe é obsoleto, sem valor cultural ou econômico. Esse é um dos grandes fatores que levam à destruição da identidade e à violência. Hoje os projetos de ‘pacificação’ das UPPs talvez nada mais sejam que a ocupação dos terrenos nobres das grandes cidades. A questão fundiária no Brasil permanece. Não mais no espaço rural, um tanto abafado, mas no urbano.

Naquele tempo, a estrada de ferro São Paulo-Rio Grande era uma questão de soberania nacional, de ocupação e exploração da riqueza do território. Hoje quando vemos Belo Monte, percebemos que a história se repete, pois o poder central decide e não ocorre uma reflexão sobre se existem outras opções. Não ocorreu uma retomada desse tema e o próprio pensador da sustentabilidade está nas cidades ainda. Trata-se de uma elite, e é terrível, pois se esvazia a força dessa questão. E o valor do homem do campo não encontra onde se colocar."

Enio Staub em depoimento à PLATAFORMA:VB (agosto 2014)


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Dados técnicos

Contestado, a Guerra Desconhecida (1985) | Enio Staub

Vídeo | 55'27"

Depoimento Enio Staub | Memórias Inapagáveis, 2014

O diretor e roteirista Enio Staub fala sobre Contestado, a Guerra Desconhecida, documentário que participou do 3º Festival (1985)

CONE SUL (1983) | ENIO STAUB

Cone Sul, sobre a Operação Condor, foi o primeiro filme realizado por Enio Staub. Nele também é abordada a questão da violência do Estado contra sua população.

Ações VB
03º Festival
Memórias Inapagáveis
Outras conexões

“Um pesquisador americano, Todd Diacon, nos acompanhou durante as filmagens e escreveu Millenarian Vision, Capitalist Reality: Brazil's Contestado Rebellion, 1912–1916 sobre a Guerra do Contestado.
 

Talvez a coisa mais próxima em termos de ocupação tenha sido a Fordlândia, no Norte brasileiro”.
 

No Acervo VB
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