"Meu primeiro contato com a realização audiovisual foi no final dos anos 1980, em um grupo de cinema independente no qual trabalhei produzindo trilhas sonoras e colaborando com a edição. Desde meados dos anos 90 realizo vídeo e documentários experimentais. A partir de um deles, A Arquitetura da Loucura, conheci León Ferrari. O documentário foi encomendado pela Universidade de Essex, para ser parte de uma exposição dedicada a León, que exibia seus trabalhos com caligrafias inventadas e suas heliografias.
No ano 2000, grupos fundamentalistas católicos puseram uma bomba na porta de uma exposição sua em Buenos Aires, que depois foi fechada. Em 2004, ele iria realizar uma mega mostra, a primeira depois desse incidente, e me propôs que gravássemos uma performance na qual minhocas eram jogadas em uma maquete da Casa Branca, pois vinha trabalhando em muitas de suas obras com a ideia de provocar o espectador com insetos que profanavam ícones religiosos e capitalistas. O vídeo seria exibido nessa exposição, no Centro Cultural Recoleta.
Um dia nos encontramos bem cedo no seu ateliê. León fora buscar as 'atrizes' no clube de pescadores. Armamos um set muito simples, utilizamos uma luz potente para dar a ideia de um fundo infinito e ele começou a fazer a performance. Tive total liberdade para fazer a câmera, então intercalei os planos gerais, que ele havia pedido, com detalhes que aumentaram a dramaticidade das imagens. Tivemos a sorte de encontrar uma minhoca na bandeira dos EUA.
A trilha sonora foi feita utilizando o áudio de uma performance que León havia feito no Brasil nos anos 80, na qual ele golpeava com objetos diversos uma de suas esculturas feitas de arame. A textura sonora fria funcionava muito bem com a imagem.
León trabalhou muito com o tema do poder. É impossível separá-lo também do tema religioso. O que ele fala da Igreja não é tanto sobre a religião, sobre os santos, Jesus, mas do seu poder real, do seu poder militar, sobre como a Igreja impõe seu poder pelas armas, com seus próprios exércitos ou através dos de outros países, como os EUA. E ele associava o governo de George W. Bush à Igreja e ao poder da civilização ocidental.
O vídeo Casa Blanca faz referência aos ecos de sentimento anti norte-americano que a intervenção explícita dessa potência na instauração da ditadura mais sangrenta da nossa história deixou em várias gerações. Uma das vítimas diretas desse massacre foi Ariel Ferrari, filho de León – e o próprio León, que teve que imigrar ao Brasil em 1976, onde permaneceu até o reestabelecimento da democracia. Então, com este vídeo nós estamos de alguma maneira devolvendo-lhes o bombardeio.
Casa Blanca foi muito bem sucedido. Além da grande mostra argentina, foi mostrado nos EUA, em uma exposição chamada Violencia, curada por Graciela Taquini, e também no México e na Colômbia. É o primeiro vídeo de uma trilogia. Lombrices, em que as minhocas rastejam sobre um fundo branco, é o segundo. Ambos são corrosivos, provocativos e irreverentes. O terceiro não foi editado. Nele, León lançava minhocas sobre imagens da Sagrada Família. Guardo um afeto especial pela generosidade de León Ferrari ao me convidar para dividir estas experiências com ele."
Ricardo Pons em depoimento à PLATAFORMA:VB (agosto 2014)