“O ponto de partida para Des Deux Côtes foi o encontro com uma piscina subterrânea que descobri durante um inverno seco e gelado em Montreal.
A temperatura estava em torno de -13°C. Lembro de andar pelas ruas e começar a descer um lance de escadas que me levou a um úmido complexo de lazer, onde estava a piscina. Em uma das paredes havia um enorme mural pintado à mão que retratava uma paisagem do litoral mediterrâneo. Havia algo muito fascinante na presença e no posicionamento daquele mural em meio a um ambiente completamente desumano – a luz fluorescente e a água clorada no subsolo, sem janelas – que, ao mesmo tempo, era um lugar bem intimista. Havia muita pele à mostra, pessoas nadando, e aquele lembrete inconveniente de como a experiência de nadar poderia ser – ou deveria ser – em um pedaço ensolarado da costa mediterrânea, onde sopra o vento.
Eu adorava nadar naquela piscina, em grande parte por causa do mural. Ela evocava uma espécie de simulação na qual, ao se olhar para a imagem, o ato de nadar em uma piscina urbana se tornava animador. E, embora saiba que se vive uma simulação, se sente algo diferente; algo que ultrapassa a simples realidade da situação.
Por isso, acredito que a pesquisa para esse filme – o que chamo de ponto de partida – se deu simplesmente no fato de ter ido nadar aquele dia em Montreal, e ter encontrado um espaço que causava duas sensações opostas ao mesmo tempo. Essa experiência produzia uma espécie de efeito de 'puxa-empurra', a exemplo do que me ocorreu ao pensar na temperatura. A piscina subterrânea quente sob as ruas frias da cidade; a pintura de cores quentes sob a fria luz fluorescente. Comecei a pensar em calor e frio ao mesmo tempo, e imaginei uma chama queimando em um campo de neve.
Fogo e água. Queimar e congelar.
Experiências sensoriais que ocorrem no cotidiano – como a que vivi na piscina subterrânea – podem ser simples e imediatas, mas são frequentemente ligadas à ideias, emoções e processos mais complexos.
Diversas referências e experiências contribuíram para a criação deste trabalho: a estrutura do cinema narrativo, a filosofia da percepção, encontros casuais, a ciência da percepção, The Binding Problem ('problema da ligação' na neurosciência) e os processos cerebrais. Porém, a linha mestra para o seu desenvolvimento foi a observação da forma como limites contrários interagem, como: o saber e o não saber, o desejo e a repulsa, o masculino e o feminino, o seco e o molhado, o quente e o frio, a luz e a sua ausência.
A compreensão desses opostos se dá pela capacidade do intelecto em refletir e conceitualizar, porém a experiência direta se baseia no campo sensorial, e não depende necessariamente da reflexão consciente e ativa. Em outras palavras, me parece que possuímos uma sensibilidade à constante interação entre ideias e elementos opostos; uma sensibilidade que se forma na experiência sensorial, sem necessidade de uma conceitualização ativa. É difícil articular ou reproduzir esta capacidade, mas a arte é capaz de evocar esse tipo de experiência nas pessoas.”
Andrew de Freitas em depoimento à PLATAFORMA:VB (outubro 2013)