"Eu queria fazer um vídeo dos vídeos. Um trabalho que fosse articulado a partir da ilusão de que ali estavam trechos de vários vídeos de várias épocas. A partir desse preceito comecei a pesquisar personagens que tivessem um discurso potente e que pudessem compor um certo antagonismo, um conflito contemporâneo.
Eu usei legendas para situar os personagens (em locais e anos fictícios), e cartelas entre cenas para buscar um discurso mais longevo do que a mera colagem e assim utilizar do artifício da narrativa, sem necessitar da dramatização (naquela época eu era avesso ao que fosse ficção, ou melhor, longe do real). Mas, sempre ao lado da poesia e não da prosa.
Sempre trabalhei com amigos. E sempre procurei me aproximar de pessoas que eu admirava. Com estas duas chaves na mão os trabalhos tomavam força e criavam estrutura factíveis de serem construídas e vivenciadas. Os contatos e as pesquisas feitas desta forma criaram, em forma de redes, terrenos férteis para serem ressemeados: novos amigos, novas ideias, novos projetos.
Heróis da decaden(s)ia (1987) é o último vídeo da trilogia seminal da TVDO: Frau (1983), Non plus ultra (1985). Ele é o vídeo da exaustão. É o trabalho cume. Com ele se encerra um tipo de discurso que iniciamos no princípio dos anos 1980. O discurso antropofágico por definição, com ‘Câmera na Olho’ (sic) e edição atenta aos acasos. Depois dele, eu não quis mais fazer vídeo por um bom tempo. Na verdade, esse vídeo já nem 'existe' mais. Ele foi refeito em 2003 com a retirada de algumas cenas e a inserção de outras (todas do Waly Salomão, cedidas pelo Carlos Nader). Isso feito ele passou a se chamar apenas HERÓIS 2 e eu o considero um vídeo palimpsesto, ou seja, eu posso, e quero, retirar mais algumas cenas dele e inserir outras rumo ao HERÓIS 3. Ou seja, um vídeo mutante, que apaga a sua versão anterior e renasce sempre o 'mesmo-modificado'.
Heróis da decaden(s)ia foi concebido no momento em que o país acabava de sair de uma ditadura. A vontade de conquistar o discurso era imensa. Nós, da TVDO, já vínhamos trabalhando com um volume alto de FALA. Neste momento já tínhamos uma VOZ na área das artes visuais. Portanto, ali, com o HERÓIS, foi GRITAR SEM MEDO. Queríamos construir uma nova maneira de articular a comunicação do audiovisual. Queríamos fazer uma nova Televisão. A TV do III Milênio! Uma TV plural, multiplataforma, onde a informação se articulasse e se comunicasse de forma espiral e labiríntica e não de maneira linear e burocrática. Isso, hoje, parece que já está acontecendo na realidade.
Ficções e narrativas contemporâneas. Estátuas e monumentos nunca fizeram parte do meu trabalho.
Estive sob a luz da Arte pop, poesia concreta, Eisenstein, Dziga Vertov, Godard, Glauber Rocha, Nam June Paik e Chacrinha estão entre as minhas referências.
O Homem fala. O Homem sua. O Homem está em todos os poros da tela. A partir da Verdade e do Real, usamos o linguajar do fragmento, da justaposição, da poesia que se opõe à prosa (ou da prosa poética audiovisual) para iluminar e questionar esta Real Verdade. Trafegando pelo transe! A obra sempre ligada. Sempre farol. Nunca semáforo."
Tadeu Jungle em depoimento a PLATAFORMA : VB (janeiro 2014)