Duelo dos deuses

1988
Pedro Vieira
publicado em 28.11.2013
última atualização 08.09.2014

"O Duelo dos Deuses nasceu sem querer quando eu assistia televisão, ao acordar de manhã, e vi uma cena de exorcismo. Além de me sentir invadido pela cena, naquela hora da manhã, percebi que era uma coisa tosca e encenada. Entra o intervalo e um convite para um encontro no Pacaembu, o 'Duelo dos Deuses' promovido pela Igreja Universal, onde eles iriam...


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"O Duelo dos Deuses nasceu sem querer quando eu assistia televisão, ao acordar de manhã, e vi uma cena de exorcismo. Além de me sentir invadido pela cena, naquela hora da manhã, percebi que era uma coisa tosca e encenada. Entra o intervalo e um convite para um encontro no Pacaembu, o 'Duelo dos Deuses' promovido pela Igreja Universal, onde eles iriam provar que o Deus deles era mais poderoso que o dos outros. Fui ao Pacaembú e me informaram que eu não poderia gravar o evento. Mesmo assim, gravei.

A pesquisa ocorreu durante a gravação, o universo foi se ampliando e o documentário foi tomando seu próprio caminho. Comecei a pesquisar o número de programas religiosos que começavam a invadir a televisão. Estávamos em 1988, e eram muitos. A Igreja Eletrônica nascia e fazia seus milagres, entre eles, o mais palpável e real: o da multiplicação do lucro. E, a constatação do abandono da população pelo Estado e pela Igreja Católica.

Tudo o que eu previ com aquela obra aconteceu. A criação de uma bancada evangélica com senadores, deputados e vereadores vindos das universais, mundiais, pentecostais, etc. Hoje os evangélicos elegem o presidente.

A Igreja Universal naquela época ainda só tinha o programa O Despertar da Fé. Desse patamar, em alguns anos, ela adquiriu a Rede Record e os programas de televisão, que já eram muitos, e que agora são redes de programas em vários horários, nobres ou não, no mundo todo.

Pude constatar que no início atuavam sempre em busca de uma população carente, sem apoio médico, psicológico ou social. Atuavam onde havia ausência do Estado e diante do abandono das massas à sua própria sorte. Hoje...

Acho que Duelo dos Deuses tem a marca da videoarte na estruturação dos ruídos de 'chuvisco' dos canais vazios. Me remete ao AC/JC, VT Preparado, onde o branco, a tela nula, gritava a violência do silêncio. 

A edição sempre foi a base do meu trabalho: os ruídos estruturam o timing, o 'mudar de canal', a saturação de cores, o uso de material captado direto da televisão, a imagem 'podre' relida, re-pintada eletrônicamente. Todas essas coisas eu só pude desenvolver na TVDO, com uma liberdade que o trabalho nas TVs não permitia. Estruturei o roteiro como zapping, só que eu não sabia na época o que era zapping.

A Igreja Universal tentou impedir a exibição do documentário. Pressionaram inclusive a direção do Videobrasil. Quando fui exibir o vídeo no ISER (Instituto de Estudos da Religião), no Rio, sofri uma terrível pressão/tensão com a platéia de membros da Universal. Com suas Bíblias na mão, encomendavam minha alma para o Inferno. 

Duelo dos Deuses venceu o Festival Internacional do Rio de Janeiro, e atraiu a atenção da Globo e da Manchete para o tema abordado pela obra. Quiseram comprar as imagens, mas eu não vendi. Depois disso, a Globo realizou aquele Globo Repórter que gerou a briga com a Record.
 
Ainda era o começo da invasão das igrejas eletrônicas. Não só as evangélicas. A igreja católica também começava a implantar seus canais de TV, em circuitos abertos ou fechados. Em Duelo dos Deuses, Walter Clark conta como a TV Rio foi parar nas mãos de uma igreja.

Eu resolvi documentar o poder que se acumulava nas mãos dos pastores eletrônicos. Alguns deles com uma pregação que considerava outras religiões como 'inimigas'. Isso contraria a nossa Constituição.

A utilização da TV para pedir dinheiro não só para causas sociais, mas para manter o programa no ar era uma coisa que nenhum produtor independente jamais poderia fazer. Criaram-se emissoras e produtoras com recursos enviados para Jesus e que pagavam a conta de Genésio. Dinheiro livre do pagamento de impostos. Era uma covardia com os produtores culturais sobre taxados. A força da TV levaria os pastores eletrônicos à criação de partidos reacionários como podemos observar hoje."

Pedro Vieira em depoimento a PLATAFORMA : VB (dezembro 2013)


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Dados técnicos

Duelo dos deuses (1988) | Conecta Vídeo, Pedro Vieira
Vídeo | 21’19”, U-Matic, NTSC, cor

VIDEOJORNAL_04 | 6º FESTIVAL (1988)

Na primeira cobertura completa do Festival o diretor Pedro Vieira comenta sua obra Duelo dos deuses (1988)

Ações VB
06º Festival
Antigas e novas disputas
Outras conexões

O cineasta e documentarista russo Dziga Vertov foi uma das referências de Pedro Vieira para a realização de Duelo dos Deuses.

Anexos

Olhando São Paulo. Um passeio pela igreja eletrônica. Mas sem milagres, por Ana Carmen Foschini (Jornal da Tarde, set. 1988) [pt]

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