Gostaria que nossa conversa percorresse o movimento de transformação de algumas questões presentes no seu trabalho. Em nosso primeiro encontro, lembro que você falou sobre uma negação de uma linguagem que se definisse como autobiográfica e uma preocupação com o contexto. Outras questões giravam em torno de uma volta à...
Gostaria que nossa conversa percorresse o movimento de transformação de algumas questões presentes no seu trabalho. Em nosso primeiro encontro, lembro que você falou sobre uma negação de uma linguagem que se definisse como autobiográfica e uma preocupação com o contexto. Outras questões giravam em torno de uma volta à pintura, das referências da pintura histórica, da materialidade da fotografia, dos usos dos arquivos de imagens. Não posso esquecer quando você falou do “registro inegável do real”, que o céu é o seu sublime e que juntos esses aspectos dão a carga dramática do seu trabalho.
Gal, queria primeiro falar sobre essas poéticas muito pessoais. Talvez eu não tenha formulado direito, porque é óbvio que também trabalho em cima de uma poética pessoal. Não é simplesmente uma negação de uma poética autobiográfica. O que me move é que eu quero discutir a cidade, a percepção da imagem, em planos de linguagem, de como articulo elementos para transformar um trabalho. Quando falo dessa negação é uma definição do que eu não quero fazer: trabalhar em cima de contextos muito autobiográficos não me interessam. Não sei se chega a ser uma coisa tão digna de nota. Porque é óbvio também que vejo as coisas e trabalho sob o meu ponto de vista, sob uma ótica e uma poética muito pessoal. É preciso deixar isso claro.
Acho que isso já havia ficado muito claro para mim, anteriormente. O seu olhar não era para dentro, de diário, de retomar intimidades... por mais que isso exista, mas sempre vi uma preocupação com o entorno, com um diálogo com o de fora, em reter essas relações com o externo. Por mais que as relações sejam pautadas subjetiva e particularmente. Acho que o que você está dizendo não nega isso.
É um campo difícil de se discutir, porque acho que entra em outros méritos. Não é produtivo negar tudo. Tenho uma vontade de trabalhar o mundo e trabalhar outras coisas que dizem respeito a mais gente do que somente a mim. Isso tem a ver com o contexto social. Parto de algo que eu acho que é comum a todos. São imagens de mídia impressa, de grande circulação.
Tenho pensando ultimamente que meu trabalho tem muitos fragmentos, que se unem e que criam tensões entre si. E também que a nossa experiência é fragmentada. A forma com que as coisas circulam e a velocidade com a qual a gente entra em contato com as informações também diluem muito a experiência e aumentam essa fragmentação. E de repente é uma sequencia de coisas distintas que passam diante dos nossos olhos e a gente acaba absorvendo como conjunto: cenas do mundo, da vida, que vão desde a novela mais absurda, à guerra, à propaganda. E é surreal. Eu trouxe um jornal desses que distribuem no metrô. E a primeira capa é um comercial do Dorflex. A capa inteira é um anúncio.
É uma capa falsa de publicidade.
Eu trouxe o jornal, preciso mostrar para que você entenda. “O mundo em que ninguém sente dor” é o título desse anúncio, que funciona como capa. E isso parece muito real, mas é um anúncio. Depois de ler essa capa que ninguém sente dor, a gente vê o jornal real com a manchete da capa se referindo à morte de um ciclista atropelado. Acho que esses dados de linguagem que são comuns me movem a trabalhar com esse tipo de material. Eu ainda estou muito nas conjecturas, pensando sobre hipóteses. Mas acho que hoje em dia, não existe essa dimensão do impossível. Qualquer absurdo é passível de acontecer, o desejo virou executável sempre. Acho que se perdeu uma certa medida da experiência do mundo. Há outras tensões criadas sobre o desejo, por meio da propaganda. O espaço físico virou um cenário de acomodação. É uma dimensão materialmente palpável: é um espaço que de fato eu atuo, domino, e modifico. Mas o espaço já vem como dado, e as ações já vêm mediadas por uma certa ideia.
Entrevista realizada pela pesquisadora Galciani Neves com a artista Carolina Caliento, durante a residência artística Ateliê Aberto #4, uma parceria entre SESC, Videobrasil e Casa Tomada.
[leia na revista abaixo a entrevista na íntegra]
- Ações VB
- 17º Festival
- Outras conexões
Blog de Galciani Neves no projeto.
Blog de Carolina Caliento no projeto.
Sobre Pintura Histórica, na enciclopédia de artes visuais do Itaú Cultural: "Em acepção mais estrita, refere-se ao registro pictórico de eventos da história política. Batalhas, cenas de guerra, personagens célebres, fatos e feitos de homens notáveis são descritos em telas de grandes dimensões."
- Anexos
A entrevista na íntegra. [eng]