"As obras que apresento no 18° festival integram minha produção recente, que tem o livro como meio. Utilizo volumes de uma biblioteca constituída nos anos 1960 e 1970, além de outros livros sobre o Brasil. Esse trabalho reorganiza elementos gráficos relacionados à comportamentos observados em minha esfera íntima, e propõe questões relativas ao coletivo.
Durante a ditadura militar, minha percepção juvenil dessa biblioteca se confundia com a atmosfera do país e da comunidade intelectual brasileira. O medo da censura e das perseguições políticas se misturou à minha percepção do significado dos livros na estante de casa. Para mim, eles eram perigosos, pois podiam ser considerados subversivos.
Os volumes que compõem os desenhos das séries Livro Aberto foram escolhidos por conterem cadernos não refilados. Era preciso usar uma espátula para abrir suas páginas. Mas, ao invés de usar a espátula, descosturei e abri os cadernos, obtendo folhas grandes. Os textos foram então velados com desenhos, inteira ou parcialmente. Assim, o processo de produzir outras narrativas para as histórias dos livros combina dois gestos opostos: descosturar e 'abrir' as folhas e 'fechar' novamente os textos com desenhos.
O título Livro Aberto remete aos procedimentos de abrir os cadernos dos volumes e fechar seus conteúdos cobrindo os textos com desenhos. O termo nomeia também o ato de nos ‘oferecermos sem segredos’.
Os desenhos das séries Livro Aberto – Eldorado e Noite Americana (2011-12) foram elaborados com folhas do livro Uma Comunidade Amazônica: Estudo do Homem nos Trópicos (1957), do antropólogo norte-americano Charles Wagley, sobre a comunidade de Itá, no Amazonas. Algumas folhas foram pintadas de azul (Noite Americana), outras de amarelo (Eldorado). Em seguida as páginas coloridas receberam desenhos de tinta sumi a pincel, realizados a partir de imagens de guerreiros de Goya e de Hokusai. Elas foram então fixadas às folhas brancas em que desenhei cenas do filme Iracema, uma transa amazônica, com grafite e pirógrafo.
Iracema... trata do impacto provocado pela construção da rodovia Transamazônica em populações da região. Dirigido por Jorge Bodanzky e Orlando Senna, em 1976, o filme foi realizado na época da minha infância, quando a região era controlada por militares. Proibido pela censura, o filme só foi lançado em 1981.
O trabalho Livro Aberto - Eldorado e Noite Americana celebra os livros, homenageia obras de mestres do cinema e do desenho, e faz perguntas sobre diferenças e aproximações entre o desenho de arte e a ilustração. Copiar figuras de Goya e de Hokusai e reproduzir imagens do filme Iracema... remete ao método tradicional de aprender a desenhar observando os mestres.
Todo o processo se dá como uma edição visual de textos e figuras em um sistema de referências que reflete sobre a prática do desenho e esboça questões sobre interpretação, memória e processo civilizatório."
Teresa Berlinck em depoimento à PLATAFORMA:VB (outubro 2013)